Lúcio acordou tarde, como de costume. O relógio já contava dez horas, e os operários do turno da madrugada já haviam chegado a suas casas. A maioria deles já dormia. Os outros, do turno da manhã, há muito já produziam, e as crianças estavam na escola. Os rumores da rua eram poucos. Àquela hora, só Lúcio começava a se agitar, completamente alheio ao movimento que rompera o dia.
Depois de tomar o café feito pela esposa, sentou-se ao sofá da sala e foi passar à vista no jornal. O cachorro logo se atreveu a deitar-se sobre seus pés. Lúcio fez menção de espantá-lo, mas o animal, pressentindo o golpe, antecipou-se e fez-lhe um carinho na perna. O dono, comovido, trocou o chute por um cafuné.
Da pasta de dentes quase não saia mais nada, então Lúcio pegou uma nova e pôde concluir o que fazia. Apertou o interruptor, entrou no box e se deliciou com o banho quentinho. Pegou a toalha e se enxugou. Depois o barbeador. Limpou os pêlos do rosto e partiu.
A vida de Lúcio seguia então seu fluxo cotidiano. Estacionou o carro no pátio, empunhou sua pasta de todos os dias e rumou para o prédio. Subiu até o velho sexto andar. Entrou sem precisar bater na porta. Deu bom dia. Sentou-se ao computador e começou, faltando meia hora para o meio dia, aquele seu trabalho meia-boca.
Na aparência era feliz, mas as noites em claro trabalhando em casa, o enfado matinal de sua mulher, as caras conhecidas da rua e do trabalho eram já para ele um tormento.
Seu expediente na firma era de seis horas diárias, indo até por volta das sete. Não gostava de almoçar, fazia apenas um lanche com os colegas no meio da tarde. À noite, enquanto voltava para casa, pensava já no caminho o quanto gostaria de ver uma carinha melhor de sua esposa. Afinal, ainda havia entre eles algum afeto.
Porém, nesse dia, não viu cara alguma. Um carro que avançou o sinal bateu-lhe certeiro na lateral do carro. Estava tudo acabado: seus planos de abrir uma firma própria; o filho que o casal ainda não concebera; as férias tão merecidas. O outro motorista também morreu. Foi uma tragédia e tanto.
Não se pode dizer que deixou quantia significativa para a esposa, mas o fato é que faziam muitas economias. Inclusive, moravam num bairro popular para economizar no aluguel. E foi assim que Lúcio se despediu da vida.
PARTE 2
Lúcio acordou muito cedo, como de costume. O relógio contava ainda quatro e meia, e os operários do turno da madrugada já estavam ansiosos por largar as máquinas e chegar a suas casas. Os outros do turno da manhã também começavam a despertar, e as crianças, há essa hora, apenas sonhavam. Os rumores da rua eram poucos, mas começavam a se agitar. Enquanto isso, Carla, esposa de Lúcio, permanecia completamente alheia ao movimento que rompia o dia. Era comerciária e só pegava no trabalho às oito.
Depois de tomar o café que fez na hora, espreguiçou-se no sofá da sala e foi passar à vista na janela da rua. O cachorro logo se atreveu a latir, e Lúcio deu-lhe dois gritos para calar a boca. Ainda fez menção de espantá-lo, esticando o braço, mas o animal, pressentindo o golpe, fez que ia correr, ficou, e se calou no mesmo instante.
Da pasta de dentes quase não saia mais nada, mas Lúcio ainda pôde concluir o que fazia, não sem antes condenar ao inferno este maldito mundo de pobre. Apertou o interruptor, pois a luz ainda estava apagada, abriu a cortina e se arrepiou todo com a ducha de água fria. Pegou a toalha e se enxugou. Depois o pente. Penteou os cabelos e partiu.
A vida de Lúcio seguia então seu fluxo cotidiano. O ônibus da empresa estacionou no pátio. Todos desceram empunhando suas mochilas de pertences e rumaram para o prédio. Subiu as escadas até o pavimento. Apossou-se da máquina sem precisar pedir a ninguém. Sentou-se ao painel de controle e começou, exatamente às seis horas, o trabalho que era seu pão de cada dia.
Na aparência era feliz. E realmente o era. Suas noites de sono eram profundas, pois o cansaço nunca lhe permitiu que fossem de outra forma. O enfado matinal do bom sono interrompido era compensado com as caras amigas da rua e do trabalho. Seu único tormento era saber que de tudo que produzia quase nada ficava para ele.
Seu expediente na fábrica era, em média, de oito horas diárias, indo até por volta das duas. Só almoçava no meio da tarde. Enquanto voltava para casa, no ônibus com os colegas, pensava no quanto gostaria de ver a carinha de sua esposa quando ela chegasse do trabalho à noite. Afinal, eles se amavam muito.
Porém, nesse dia, não viu cara alguma. Um carro que avançou o sinal bateu certeiro na lateral de outro carro, justo no momento em que Lúcio atravessava a rua. Estava tudo acabado: seus planos voltar a estudar à noite; de receber um aumento na fábrica e não precisar mais fazer bicos no restante do dia; o filho que o casal ainda não concebera; as férias tão merecidas. Os motoristas dos dois carros se machucaram bastante, mas sem risco de vida. Foi uma tragédia e tanto.
Não pôde deixar quantia alguma para a esposa. Faziam muitas economias, mas, mesmo num bairro popular, o aluguel era muito caro.
Enquanto teve ainda algum fio de consciência depois da pancada, Lúcio pensou em Carla e se lembrou do sonho estranho que tivera durante a noite. Sua vida era tão diferente. Uma história complemente oposta à sua realidade.
Com os pensamentos já confusos, Lúcio morreu maldizendo o trabalho na firma, as noites em claro e o enfado matinal de sua mulher. Morreu com um sonho na cabeça. E foi assim que Lúcio se despediu da vida.
Rafael Freire
03/11/06
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