29.12.06

O Natal para além de Cristo


Neste período de final de ano, é comum, e já se tornou banal até, falar sobre o verdadeiro significado do Natal. Se ele está descaracterizado ou não. Se o consumismo já consumiu o espírito de irmandade dos homens. Se Papai Noel é mais conhecido entre as crianças do que Cristo.

O Natal é, em essência, uma festa cristã. Nele se celebra o nascimento de Jesus Cristo, o Deus-menino, salvador dos homens na Terra. Porém, como na História nem tudo é preciso, residem inúmeros questionamentos acerca da data de 25 de dezembro. Alguns falam em outros dias, de outros meses, de outros anos. Diz-se, inclusive, que a trajetória de José e Maria em fuga da crueldade de Herodes, que buscava a criança redentora, é, na verdade, a representação da fuga do profeta Moisés, também quando de seu nascimento. Jesus nasceu judeu e virou Emanuel: Deus entre nós. Quando chegou a Nazaré, tornou-se o Nazareno, onde pregou por toda a Galiléia, criando o cristianismo.

Nem todos os seres humanos são cristãos. O cristianismo, apesar de ser a religião que possui o maior número de seguidores (cerca de 2,1 bilhões), corresponde a menos de um terço da atual população mundial, estimada em quase 7 bilhões de pessoas. No entanto, é comum ver em reportagens e declarações as mais diversas a generalização do cristianismo como elemento cultural de toda a humanidade. Sendo assim, é preciso ter cuidado ao tratar do assunto, mesmo que se tome como referência o Brasil, país eminentemente cristão e considerado o maior país católico do mundo.

A Constituição Federal de 1988 garante que o Estado brasileiro é laico, ou seja, não advoga nenhuma religião. Na prática, porém, a coisa é bem diferente, dado o enraizado do cristianismo na cultura nacional. Só para ficar num exemplo bem simples, consta no artigo 87 do Regimento Interno da Câmara Municipal de João Pessoa que, ao início de cada sessão, o vereador que a preside “convidará um vereador para, da Tribuna, fazer leitura do texto Bíblico, devendo a Bíblia Sagrada ficar em cima da mesa durante todo o tempo da sessão”.

Religião e Estado têm sido usados, ao longo das diversas formações sociais já construídas, como instrumentos de dominação de povos e classes. Mas pode servir ao seu contrário também, com o propósito de libertação, como mostra Engels, no fechamento de sua introdução para “As lutas de classes na França de 1848 a 1850”, de Marx, reproduzido logo abaixo.

Cabe, portanto, independente de concepção filosófico-religiosa, valer-se do espírito natalino original de irmandade e renovação para refletir e transformar o mundo em que vivemos. Transformar nossas tão profundas diferenças políticas, econômicas, tecnológicas e sociais.

Feliz ano novo, para quem do novo precisa!
Rafael Freire

Friedrich Engels: fechamento de sua introdução para “As lutas de classes na França de 1848 a 1850”, de Karl Marx


“Há quase 1.600 anos, precisamente, atuava também no Império Romano um perigoso partido revolucionário. Ele socavava a religião e todos os alicerces do Estado. Negava redondamente que a vontade do imperador fosse a lei suprema. Não tinha pátria. Era internacional. Estendia-se a todo o Império, das Gálias à Ásia. Ultrapassava as fronteiras imperiais. De há muito, realizava um trabalho de sapa subterrâneo e secreto. Há bastante tempo, porém, considerava-se suficientemente forte para surgir à luz do dia. Esse partido revolucionário, que era conhecido em toda a parte com o nome de cristão, estava também fortemente representado no exército. Legiões inteiras eram cristãs. Quando recebiam ordem de comparecer aos sacrifícios solenes da igreja pagã nacional, para participar das honrarias, os soldados revolucionários levavam sua insolência ao ponto de prender em seus capacetes distintivos especiais - cruzes – em sinal de protesto. Mesmo as costumeiras medidas preventivas tomadas pelos superiores nas casernas revelavam-se inúteis. Vendo como se derrocava a ordem, a obediência e a disciplina em seu exército, o imperador Diocleciano não pôde conservar por muito tempo a calma. Interveio energicamente, pois ainda era tempo. Promulgou um lei contra os socialistas, quero dizer, contra os cristãos. As reuniões dos revolucionários foram proibidas, suas sedes fechadas, ou mesmo demolidas, as insígnias cristãs – cruzes, etc. – interditadas, tal como na Saxônia os lenços vermelhos. Os cristãos foram declarados incapacitados para os cargos públicos, não podendo sequer chegar a cabos. Como, na época, ainda não se dispunha de juízes tão bem amestrados no “respeito ao indivíduo”, como os que pressupõe o projeto de lei contra a revolução, de autoria de Herr von Koeller, proibiu-se pura e simplesmente que os cristãos recorressem aos tribunais. Esta lei de exceção também não teve efeito. Num acinte, os cristãos a arrancaram dos muro, e diz-se mesmo que, em Nicomédia, queimaram o palácio em que se encontrava o imperador. Este vingou-se, então, desencadeando a grande perseguição aos cristãos, do ano de 303 de nossa era. Foi a última de seu gênero. E revelou-se tão eficaz que, dezessete anos depois, o exército se compunha, sobretudo, de cristãos, e o novo autocrata do Império Romano que sucedeu a Diocleciano, Constantino, que os curas cognominam o Grande, proclamou o cristianismo religião de Estado.”

23.12.06

Mais dois sem-terra assassinados pelos latifundiários

No dia 17 de dezembro, o jovem Andreílson Santos Silva, de apenas 17 anos, foi assassinado a facadas em uma emboscada na cidade de Garanhuns, no interior de Pernambuco. Andreílson era integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O crime aconteceu na Fazenda Paulista, de 1.360 hectares, cujo proprietário, Edvaldo Rodrigues Paixão, é acusado de forjar e corromper técnicos para falsificar certificados de produtividade da fazenda. Diante das denúncias, o Incra prometeu fazer uma nova avaliação, o que até agora não ocorreu. Desde 2004, essa fazenda já foi ocupada duas vezes, sendo que em todas os despejos foram violentos. No último deles, o Incra firmou um acordo para que os trabalhadores pudessem retornar para colher a produção que haviam plantado no local, mas o proprietário destruiu a lavoura. No mês passado, o Ministério Público determinou que o latifundiário pagasse uma indenização pela destruição. Desde então, as ameaças aos trabalhadores, que estão acampados na BR-423, têm sido constantes.

No dia 20 de dezembro, três dias após o assassinato de Andreílson, outro trabalhador rural foi assassinado pelos latifundiários. O trabalhador José Gomes, de 55 anos, foi morto a tiros no Engenho Natal, no município de Aliança, também no interior de Pernambuco. O Engenho Natal é um dos 22 engenhos que pertenciam à Usina Aliança que faliu em 1996. Ao todo são 7.300 hectares de terra. A dívida da Usina em direitos trabalhistas é de mais de R$ 250 milhões, e os trabalhadores reivindicam que a terra seja desapropriada para o pagamento da dívida. O Engenho Natal é um dos cinco que já foram desapropriados. Mesmo assim, segundo testemunhas, quatro homens encapuzados, e fortemente armados, invadiram o Engenho, às 21h, à procura das lideranças da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os assassinos atearam fogo em uma casa e balearam José Gomes em sua residência.

Infelizmente, os assassinatos de Andreílson Santos e José Gomes estão longe de serem casos isolados. De 2000 a 2005, 223 trabalhadores foram assassinados na luta pela terra no Brasil. Entretanto, mesmo submetidos a essa constante e mortal perseguição, os sem-terra são apresentados pela grande mídia como vândalos, baderneiros e, o cúmulo da mentira, como os responsáveis pela violência no campo. Enquanto isso, os latifundiários formam verdadeiros exércitos particulares e grupos de extermínio para intimidar qualquer trabalhador que organize a luta para que seus direitos sejam garantidos. E não é só isso. Apenas em 2005, foram libertados pelo Ministério do Trabalho nada menos de 4.133 pessoas que viviam em condições de escravidão em grandes fazendas do interior do Brasil. E esse número só não é maior porque foram feitas apenas 81 (menos de sete por mês) operações em todo o território nacional. O próprio governo federal admite a existência de pelo menos 25 mil trabalhadores escravizados no Brasil.

O que acontece é que a distribuição de terras no em nosso país é uma das mais injustas do mundo, e isso não tem a ver com a competência ou o esforço dos proprietários de terra no Brasil. A grande maioria dessas terras em disputa foram conseguidas pela grilagem, ou mesmo pela doação pura e simples aos simpatizantes dos governos autoritários brasileiros, como na Ditadura Militar, por exemplo. Sem o movimento dos sem-terra, o que existe no campo não é paz, mas sim medo, ignorância e submissão. São cidadãos brasileiros explorados há séculos que finalmente se levantam, se enchem de auto-estima e dignidade, vão à luta para defender seus direitos... e devem contar com nosso apoio.

Humberto Lima

*Para ver reportagem sobre o assassinato de Andreílson, acesse:

www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u87873.shtml

*Para ver reportagem sobre o assassinato de José Gomes, acesse:

www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u88009.shtml

*Para ver a relação das pessoas assassinadas na luta pela terra, acesse:

www.mst.org.br/mst/listagem.php?sc=9&p=3

*Para ver reportagem sobre o trabalho escravo no Brasil, acesse:

jornalaverdade.sites.uol.com.br/link/unido.html

17.12.06

Maioria dos russos quer a volta da União Soviética


“Com o fim da União Soviética minha vida desmoronou. Antes eu vivia bem, podia sair de férias, podia passear nas montanhas. Hoje, não posso nem visitar meu irmão em outra cidade”. Essa declaração, do Sr. Evgueni, 49 anos, trabalhador da limpeza urbana de Moscou, mostra bem o sentimento da maioria dos russos em relação ao fim da URSS.

Em pesquisa realizada neste mês pelo Instituto Levada de Moscou, 61% dos russos querem a volta da União Soviética. Na verdade, esse desejo é muito mais que um sentimento saudosista, pois outra pesquisa da WPO revela que nada menos 85% dos russos são favoráveis a reestatização das várias das empresas privatizadas, principalmente do setor energético/petrolífero.

Passados 15 anos do golpe que derrubou a URSS, a população percebe claramente a drástica queda em seu padrão de vida e sofre na pele as conseqüências do regresso ao capitalismo. As promessas de mais desenvolvimento e liberdade feitas pelos defensores do capitalismo hoje estão completamente desmoralizadas. Em 2002, mais de um terço (36,2%) da população economicamente ativa estava desempregada, e a Rússia era, ao lado dos EUA, o país com o maior número de presidiários (7,3 por mil habitantes). Apesar de nos faltar uma pesquisa mais recente é muito pouco provável que tenha havido uma mudança significativa nesses números.

De uma nação soberana e admirada por todo o mundo, a Rússia tornou-se um país governado por máfias que se apoderaram primeiro do Partido Comunista e depois de todo o Estado, e o transformaram em uma máquina de enriquecimento pessoal.

Diante de tudo isso, a aposentada russa, Natalia Kokoreva, 60 anos, resume bem o que pensam os russos: “Não temos nada o que comemorar”.
Humberto Lima
Para ler sobre a pesquisa do Instituto Levada acesse:
news.yahoo.com/s/afp/20061208/lf_afp/russiaussranniversary_061208201505
Para ver a pesquisa do WPO (World Public Opinion) acesse:
Para ler sobre o desemprego na Rússia acesse:
www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u39171.shtml