3.11.06

Conto da Descoberta

Acabara de entrar na universidade. Estava realizada com o bacharelado em Geografia. Quando pequena, adorava brincar ao ar livre. Sentia agora seu lado humano completado com o estudo da natureza; as vegetações, as formações rochosas, as águas. Só duas coisas lhe incomodavam: as gracinhas dos mais inoportunos durante as aulas de campo, e o esquematismo estéril do professor de Geopolítica I.

A cidade entrou em efervescência. Certo dia, na aula de Introdução à Cartografia, um dos representantes do diretório passou em sala convocando os estudantes para a passeata do dia seguinte.

Enquanto falava, percebera a atenção daquela bela garota à sua frente. Finalizou o discurso convidando voluntários para ajudar na organização do ato. Flávia logo se propôs. Havia se impressionado; pela segurança e pelas feições do moço.

No outro dia, a Praça Universitária estava tomada. Seguiram em marcha rumo ao centro comercial da cidade. Flávia, entusiasmada com sua primeira manifestação política, agitava as palavras-de-ordem junto com suas amigas e, mesmo em meio à multidão, não perdia de vista o rapaz do diretório.

Este fazia o contato entre o carro de som e a coordenação da passeata que seguia a pé. Corria de um lado para o outro, mas sempre achava uma brecha para passar pelas meninas.

À passeata, somaram-se algumas pessoas que andavam pelo comércio e logo chegaram à Prefeitura Municipal. Lá, uma enorme quantidade de estudantes secundaristas já trancava a rua. Pelas vias laterais não parava de confluir mais gente.

O clima estava quente. O sol escaldava as cabeças, e a tensão aumentara com as primeiras falas das lideranças. A orientação era ocupar o prédio.

Um cordão policial separava a multidão da porta. O grupo à frente começou a forçar passagem. Saíram os primeiros empurrões e pontapés.

Um policial a cavalo irrompeu violentamente entre os estudantes, derrubando vários. Abriu-se um grande círculo, espremendo os que estavam ao redor. A direção do ato vacilava. Algumas pessoas dispersaram. O rapaz do diretório correu.

Indignada, pela repressão e pela decepção, Flávia apanhou duas pedras. Com uma, acertou o policial sem tanta força. Com a outra, deixou em farelos a porta de vidro.

Todos viram quem atirara as pedras. A massa, surpresa, mas agora encorajada, retomou a ofensiva, rompeu o cerco e ocupou o prédio.

Sentindo desfavorável a correlação de forças, a PM decidiu relaxar.

Lá dentro, formou-se a comissão de negociação. Nove rapazes e uma moça. Não havendo acordo, as manifestações se prolongaram por duas semanas.

Numa madrugada, cinco jovens foram detidos enquanto escreviam nos muros letras de rebeldia. As letras disformes, num exercício de caligrafia política, falavam de direitos estudantis e de mudanças sociais. Entre os detidos, quatro rapazes e uma moça.
Rafael Freire
17/11/05

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