3.11.06

Entrevista com Aleida Guevara


Aleida Guevara March, 43 anos, não é apenas filha de Che Guevara. Esta entrevista concedida ao Jornal A Verdade durante a XII Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba, em Salvador, em agosto de 2004, mostra isso. Além do sobrenome do Comandante Ernesto Guevara, Aleida traz consigo a firmeza revolucionária e a paixão de seu pai ao falar sobre Cuba e a América Latina. Também reafirma o papel da Revolução nas conquistas do povo cubano e aponta o Socialismo como o único sistema capaz de dar aos trabalhadores a plena liberdade.

A VERDADE: Conte-nos um pouco de sua história: sua formação política, profissional e o que tem feito hoje.

Aleida Guevara: Primeiro, eu sou de Cuba. Tenho uma Revolução Socialista. Portanto, eu sou formada pelo povo cubano. Decidi ser médica e cumprir uma missão internacionalista. Morei na Nicarágua durante um ano e em Angola por outros dois. Tenho duas filhas, e há mais de dez anos milito no Partido Comunista Cubano.

Naturalmente, para ser militante do Partido Comunista não é se tu queres, mas sim se tu podes, que são coisas diferentes. É preciso vontade como pressuposto, mas as pessoas que ti rodeiam têm que ver em ti exemplo, dignidade, um ser humano o mais completo possível, para que então possa ser militante do Partido Comunista. Por isso que em Cuba, nós que participamos do Partido nos consideramos a vanguarda da sociedade: pelo comportamento, integração e filiação política.

Acerca de dois anos, estou colaborando com o Instituto Cubano de Amizade aos Povos (ICAP). Assim, tenho a possibilidade de dizer a verdade sobre o meu povo, de evitar todas essas mentiras e tergiversações sobre a realidade cubana. Tenho trabalhado nisso nos últimos tempos, mas continuo sendo médica, atendendo a consultas no Hospital William Soler, em Havana.

A VERDADE: Neste momento, está ocorrendo a XII Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba, na cidade de Salvador, Bahia. Qual a importância deste tipo de atividade para o povo cubano e para o povo brasileiro?

Aleida: Esta Convenção serve para analisar como vai o trabalho das organizações de solidariedade, e nela Cuba tem a possibilidade de tratar com a maior parte das representações de todo o país sobre as dificuldades que tem e, portanto, onde devemos encaminhar esta solidariedade.

Neste momento, estamos numa das batalhas mais importantes para o povo cubano que é a liberação dos cinco heróis presos nos Estados Unidos. Cinco homens que lutam contra o terrorismo e que os norte-americanos acusam de espionagem, de conspiração. Então o povo cubano está tratando de romper a barreira de silêncio que é imposta pelos EUA sobre tudo isto, para que a maior quantidade possível de pessoas conheça a verdade. Depois, é uma decisão pessoal. Se queres apoiar é tua decisão. Mas é preciso saber a verdade para ter elementos para uma opinião.

Além disso, nestes dias, o presidente Bush lançou ao mundo uma proclamação, com várias leis já conhecidas pelo povo cubano, acrescentadas com um novo capítulo, de maneira tal que, agora, será mais difícil a vida para o povo cubano. O bloqueio será mais difícil, mais cruel. E nisso também necessitamos de solidariedade, para que as pessoas do mundo conheçam o que está acontecendo e nos ajudem a romper com este tipo de ação criminosa contra o povo de Cuba.

Estas atividades são muito importantes para falarmos a nossa verdade e as nossas necessidades. E, da mesma forma, eu penso que para qualquer povo, ser solidário com outro povo, apesar de ter suas próprias dificuldades, ajuda a se sentir como ser humano. Assim é o caso do Brasil, pois os companheiros que estão aqui, com muita força - porque vir à Bahia ou a qualquer outra parte do Brasil não é fácil -, falam do amor e do respeito que têm pelo povo cubano e por sua Revolução. E como disse José Martí: “Um homem que vê as virtudes de outro homem as deve seguir”. Desta forma, nós somos muito mais para seguir combatendo.

A VERDADE: Apesar do severo bloqueio econômico, Cuba possui um dos melhores índices de saúde e educação do mundo. Além disso, consegue ser também uma potência mundial nos esportes. Quais as perspectivas de Cuba para as Olimpíadas de Atenas, em agosto?

Aleida: No momento em que estamos vivendo, vai ser difícil para a delegação cubana ultrapassar as vitórias das Olimpíadas passadas, na Austrália. Mas é sempre o que digo: superar a vez anterior, melhorar a vez anterior. Para Cuba, esta competição deve ser mais difícil, mais dura, porque agora muitas outras partes do mundo, sobretudo a América Latina e os países chamados de Terceiro Mundo posuem estruturas de esporte.

Não importa se ganhamos ou perdemos. Quando há um triunfo de um povo chamado Terceiro Mundo e, além disso, Cuba sabe que de alguma maneira contribui para isso, já é para nós uma vitória. Então sempre esperamos uma Olimpíada com a intenção de poder ver o que iremos conseguir com nossa ajuda solidária.

A VERDADE: Por sua formação como médica, fale um pouco sobre o sistema de saúde em Cuba, seu internacionalismo com os países pobres e o conceito de medicina preventiva.

Aleida: A atualização do sistema nacional de saúde aborda todos estes aspectos. A política mais importante deste sistema é a prevenção de enfermidades. Temos ainda como pressuposto, um elemento muito importante que é o médico da família. Ele domina a situação, é a base e dá informação ao sistema superior, de forma tal que podemos controlar melhor os problemas reais da população cubana.

No ano passado, Cuba pesquisou crianças com retardo mental e fomos a toda a população do país. Descobrimos uma comunidade que vive muito próxima à desembocadura de um rio, cuja água tem muitos minerais, e que de alguma maneira isso deve ter influenciado para que essa comunidade tenha incidência de crianças com retardo mental. Pois bem. Neste mês, o Comandante em Chefe Fidel Castro vai inaugurar uma escola especial nesse município para poder dar uma maior atenção às crianças com problemas. Está-se investigando fortemente a água e o ar para buscar uma solução preventiva para esta doença.

Estamos desenvolvendo muitos projetos interessantes. Eu penso que nos próximos anos, se os EUA não atacarem como dizem que vão fazer, teremos a oportunidade de conseguir avanços importantes para a saúde dos povos. Digo dos povos, porque quando temos que cooperar com qualquer outro povo do mundo, fazemos com muito gosto.

Ano passado, quando Cuba estava sendo avaliada por seus direitos humanos, e alguns países da América Latina se prestaram ao papel de condenar Cuba, entre eles o governo do Uruguai, este país estava sofrendo uma epidemia de meningo-encefalite-menincogócica, e Cuba mandou um avião com um milhão de vacinas totalmente gratuitas para a população do Uruguai. Neste sentido, você pode ter uma idéia de como trabalhamos em Cuba o problema da saúde, e o quanto estamos comprometidos com o caráter internacionalista da nossa Revolução.

A VERDADE: A burguesia ensina nas escolas e universidades, e propaga na sua imprensa que o Socialismo fracassou. Contudo, o que vemos é a heróica resistência do povo cubano e os avanços que você acabou de relatar, e a luta revolucionária dos trabalhadores em todo o mundo. Como você encara hoje o desafio da humanidade em superar o capitalismo e alcançar o Socialismo?

Aleida: Até que me provem o contrário, eu acredito que o único sistema que pode salvar o nosso povo da catástrofe econômica e social em que vivemos é o sistema Socialista. Porque se fizermos uma comparação entre povo cubano e o povo brasileiro, veremos que temos raízes culturais praticamente iguais. A mesma exploração durante séculos por colônias européias, e depois por uma neo-colônia estadunidense. Nesse sentido, veja a diferença entre a saúde e a educação em Cuba e no Brasil: está simplesmente no sistema social no qual nos desenvolvemos.

A questão é que cada país é um mundo à parte, e tem sua própria maneira de ser. Não se podem copiar as coisas de um povo para outro, porém, podem-se criar. Assim, eu penso que Cuba é um exemplo e uma possibilidade.

O capitalismo existe há mais de duzentos anos, mas não resolveu o problema da maioria da sociedade. Então, que se busque outro sistema. Chama-lhe como queiras. O que conhecemos em Cuba se chama Socialismo. E me parece que até agora não inventaram outra coisa que possa superá-lo e que possa ser diferente, em essência, da sociedade capitalista. Portanto, nós temos que falar de uma possibilidade para todos, que é uma sociedade Socialista.

A VERDADE: O capitalismo imperialista possui, hoje, várias frentes de ataque contra a soberania dos povos. Que relação você estabelece entre o massacre dos iraquianos, a intervenção no Haiti, os atentados a Cuba, e a subordinação dos países pobres através das dívidas externas?

Aleida: É muito fácil. O imperialismo é a última fase do capitalismo. Está numa crise mundial extraordinária do ponto de vista econômico. Portanto, está buscando métodos para prosseguir sobrevivendo. Os EUA, atualmente a potência econômica e militar mais forte do planeta, não tem agora nada que o pare. Não há nada que tenha um poderio parecido com o dele. Mas todos sabem que sua situação está se tornando cada vez mais difícil. Que a situação econômica em que estão vivendo, está gerando uma maior crise interna desse sistema social. Por isso inventam as guerras. Para que as pessoas tenham medo e possam, então, retrair as suas necessidades por temer perderem a vida.

Há uma coisa que eu aprendi desde pequena. Há um pequeno poema que diz: o que é a vida? “Por perdida, já a vi. Quando o julgo do tirano, com um brado sacudi”. Do que serve a vida se tu não pode se expressar como um ser humano? Se não tem a possibilidade de conviver com outro ser humano com dignidade?

Então uma coisa está ligada à outra. Os EUA e a Comunidade Européia apóiam agressões a distintos povos, argumentando mil desculpas, como, por exemplo, armas de extermínio em massa, que é uma grande hipocrisia. Por que o Iraque não pode ter armas de extermínio em massa e os EUA podem ter todas? Quem disse que uns podem ter e outros não? Por que foram ao Iraque dizendo haver armas biológicas, se o povo cubano sofre há mais de 45 anos com a guerra biológica dos EUA?

É tudo uma maneira de tentar prevalecer. Eles têm tanto medo, sabem que a situação está tão difícil para o sistema capitalista, que tentam por todos os meios oprimir o povo para que não possa manifestar os seus verdadeiros interesses e necessidades.

A VERDADE: Quais medidas o povo e o governo cubanos estão tomando em vista das declarações de George Bush no dia 06 de maio, a respeito dos US$ 59 milhões para financiar a derrubada do Socialismo em Cuba?

Aleida: Nós somos um povo preparado militarmente. Eu sou médica pediatra, mas atiro muito bem. Tenho boa pontaria e estou treinada do ponto de vista militar. E assim se passa com todos os profissionais da Revolução. Todos estão preparados para resistir. O povo está preparado para resistir. Não nos enganemos. Os EUA podem atacar Cuba e podem entrar em Cuba, mas dificilmente poderão sair. Atacar-nos, entrar em território nacional, pode ser, porque têm poderio militar, mas suportar o que levarão em cima, não. Lá de dentro não saem facilmente.

A VERDADE: Recentemente, foi lançado o filme “Diários de Motocicleta”, dirigido pelo brasileiro Walter Salles, e que conta a história da primeira viagem de seu pai pela América Latina, até então Ernesto Guevara de la Serna. O que você achou do filme e que mensagem ele nos traz?

Aleida: O filme é muito bom, e eu realmente penso que mais do que um canto a Ernesto Guevara e seu companheiro de viagem, é um canto a nossa América. Ao despertar da consciência de nosso povo, de que devemos conhecer mais profundamente nossas raízes para então compreender o que se passa ao nosso redor e, o mais importante, tentar transformar esta realidade.
Entrevista: Rafael Freire e Humberto Lima

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente a entrevista com Aleida Guevara.A firmeza ideológica e o amor pelo seu povo, a faz levantar a bandeira da libertação não só do nação cubana como dos demais povos da humanidade!
Viva a Revolução cubana!!!

Estela