15.11.06

Dia de Circo

Eu e mamãe seguíamos despreocupados para a grande lona, quando topamos com uma figura horrorosa. Era um homem, ou pelo menos lembrava isso. Mas ele tinha riscos nos olhos, e a pele enrugada, muito velha, e muito pálida, branca mesmo. E uma boca enorme, e um cabelo colorido e assanhado, e um nariz tão inchado que mais parecia uma bola vermelha.

Eu sabia que era um palhaço, claro, mas nunca tinha visto um assim de perto. Ele parecia uma pessoa normal, mas não era. E o problema era exatamente esse. Era assim meio homem, meio monstro. E eu acho que é por isso que as crianças têm tanto medo dos palhaços.

Aquela figura me impressionou muito. Me pôs medo mesmo. Tanto que nem pude pedir a mamãe uma explicação. E fiquei com aquilo guardado só para mim.

Lá dentro, vi o leão, mas o leão eu via todo dia no desenho da TV. Vi o elefante, mas o elefante eu também já conhecia dos filmes. Vi a bailarina, mas a bailarina, minha vizinha, ia quase todo dia para a aula de balé. Vi o mágico, mas o mágico tinha ido há poucos dias na minha escola. Vi o malabarista, mas aquilo que ele faz deve ser tão fácil que até meninos da minha idade fazem nos sinais das ruas. Eu esperava ansioso mesmo era pelo palhaço.

Depois de muita demora, finalmente ele veio. De primeira, não me pareceu menos horroroso. E eu olhava para as outras crianças, e muitas delas também pareciam assustadas. Mas logo eu botei para rir. Eu e as outras crianças. E também mamãe e as outras mães, e os pais presentes. No fim, todos batemos muitas palmas.

Saí tenso da lona quando acabou o espetáculo. Era a minha vontade de rever o palhaço. Mamãe já me puxava para ir embora, mas eu pedi que demorasse um pouquinho. Quando ela já não agüentava mais, ele apareceu: o palhaço. Andando torto como no picadeiro. Aí fui eu que puxei mamãe. Andamos depressa atrás dele e o alcançamos. Eu já não tinha mais medo algum. Ele de costas para nós, fui e puxei pelas suas calças. Dei-lhe um susto enorme, ou pelo menos fingiu que teve susto. Então disparei a pergunta que eu tinha guardado:

― Qual é a sua idade?

E ele, surpreso, respondeu com carinho:

― Meu filho, o palhaço não tem idade. Eu vivo enquanto as pessoas puderem rir.

― Então é por isso que você é tão velho. Porque as pessoas riem muito de você.

― Acho que sim. Esse é o meu trabalho.

― Ah, entendi tudo agora. – e virando-me para minha mãe – Olha mamãe, ele é mais normal do que eu pensava. Ele é como você e o papai. Precisa trabalhar para poder sobreviver.
Rafael Freire
15 de novembro de 2006

2 comentários:

Simão Vieira de Mairins disse...

Opa, Rafael!Gostei!Será que não encontramos com palhaços como esse todos os dias e nem percebemos?!
Muito bom mesmo!Vou tentar colocar o link do teu blog lá no meu(não sei se vou conseguir porque sou meio tapado pra essas coisas da internet!!!!).
Abraço!

Anônimo disse...

Rafael muito bom esse trabalho, tava com saudades dos seus textos, vc bem que podia ter mostrado ou dito que ainda tava escrevendo mas nao sabia e so vi hj. Cada dia que passa me surpreendo mais e mais com sua habilidade de escrita, te admiro muito.
Abraço!