30.11.06

No dos outros...


O malufista e ultra-reacionário cantor e vereador de São Paulo, Agnaldo Timóteo, teve o filho preso por desacato à autoridade. Agnaldo, indignado, disse que a polícia agiu com truculência e que os policiais forjaram a cena do desacato.

Agnaldo, entre outras coisas, é conhecido por defender as ações fascistas da polícia de São Paulo e de outros estados. Diz que a polícia agiu "corretamente no exercício do seu dever" nos Massacres de Eldorado dos Carajás e do Carandiru. Adora falar mal dos movimentos sociais e não perde a chance de pregar que a criminalidade só pode ser resolvida com mais violência e repressão. Sobre a censura durante a Ditadura Militar ele tem a seguinte opinião: “No Brasil não houve ditadura. Todas as pessoas que respeitaram o poder constituído dos militares não sofreram nenhum tipo de restrição. Alguém prendeu Roberto Carlos? Se faz música esculachando tem que vetar e colocar para fora mesmo.” (Revista AOL. Março de 2005)

Agora, irritadíssimo com a prisão do filho, Agnaldo diz: "Deram uma gravata no moleque, jogaram o moleque no chão, colocaram os pés no pescoço dele e, pior, rasgaram a camisa para parecer que tinham sido agredido ... eles também foram truculentos comigo, que sou vereador".

É Agnaldo... como diz o ditado: pimenta no dos outros é refresco.
Humberto Lima
Para ver a matéria sobre a prisão do filho de Agnaldo, acesse: www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128714.shtml
Para ver a sua entrevista à Revista AOL, acesse: www.aol.com.br/revista/materias/2005/0048.adp

25.11.06

Sebastião Salgado: luz e sombra num mundo de contrastes


Nenhum fotógrafo contemporâneo conseguiu expressar tão bem os contrastes sociais do mundo capitalista quanto o brasileiro Sebastião Salgado.

O princípio elementar da fotografia é o registro da luz numa superfície. Contudo, o princípio elementar de uma grande foto não está em “saber clicar”, como ensina o próprio Salgado: “A fotografia não é feita pelo fotógrafo. A foto sai melhor ou pior de acordo com a relação entre o fotógrafo e a pessoa que fotografa”.

E é assim, com um profundo senso de humanismo, calcado por um compreensão marxista da realidade, aliado a muita simplicidade, que Sebastião Salgado consegue se diferenciar dos demais fotógrafos, fugindo da pretensa impessoalidade de certas correntes do (foto)jornalismo: “Fotografa-se com toda carga ideológica”, diz ele.

Nascido em 1944, na cidade mineira de Aymorés, Sebastião Salgado é economista com doutorado pela Universidade de Paris, tendo atuado na profissão só até os trinta nos, quando, então, decidiu se dedicar totalmente à fotografia.

Fotógrafo reconhecido internacionalmente, recebeu praticamente todos os principais prêmios de fotografia do mundo. Trabalhou para as agências Sygma entre 1974 e 1975, para a agência Gamma de 1975 a 1979, e depois foi eleito membro da Magnum Photos, uma cooperativa internacional de fotógrafos, onde permaneceu de 1979 a 1994. Neste mesmo ano, fundou sua própria agência, a Amazonas Image.

Como fotojornalista, cobriu acontecimentos como as guerras em Angola e no Saara espanhol, o seqüestro de israelitas em Entebbe e o atentado contra o presidente norte-americano Ronald Reagan. Paralelamente passou a se dedicar a projetos de documentários mais elaborados e pessoais, que somam hoje mais de dez publicações. Entre elas, pode-se destacar Outras Américas (1986), um estudo das diferentes culturas da população rural e da resistência cultural dos índios e de seus descendentes no México e no Brasil, realizado durante oito anos. Sahel: O Homem em Pânico (1986), um documento sobre a dignidade e a perseverança de pessoas nas mais extremas condições de existência, em que trabalhou 15 meses com o grupo francês Médicos Sem Fronteiras, durante a seca na região do Sahel, no Norte da África. Trabalhadores (1993), um documentário fotográfico sobre o fim do trabalho manual em grande escala, fotografado em 26 países e resultado de sete anos de registros. Terra: Luta dos Sem-Terra (1997), sobre a luta pela terra no Brasil, centrado nos acampamentos e assentamentos do MST. E Êxodos e Crianças (2000), que retrata a vida de retirantes, refugiados e migrantes de 41 países.

No texto de apresentação deste último trabalho Salgado escreveu: “Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte, migram para melhorar sua sorte, constróem novas vidas em terras estrangeiras, adaptam-se a situações extremas”.
Gênesis: uma nova face do artista
Em seu mais recente trabalho, Gênesis (2006), Sebastião Salgado revela uma nova face. Nele, apresenta uma parte do planeta ainda não ameaçada pelo descuido do homem e pela degradação capitalista. Aqui se pode enxergar o florescimento de uma biodiversidade, algo que remete a um passado distante, quando existia um equilíbrio ecológico.

Gênesis é, na verdade, muito mais que uma peça artística. É um projeto educacional que visa conscientizar crianças, jovens e adultos para a preservação ambiental. A primeira fase do projeto (prevista para durar oito anos) foi lançada em abril deste ano para cerca de 100 escolas de Vitória, capital do Espírito Santo e, neste último mês de novembro, foi lançada internacionalmente com uma exposição itinerante.

Com as fotos de lugares raros e animais exóticos de regiões como a Patagônia, as Ilhas Galápagos, a Antártida e as selvas africanas, Sebastião Salgado pretende levar pelo mundo a mensagem viva dos seres da Terra como alerta para que a salvemos.

*Página oficial na internet: www.sebastiaosalgado.com.br
*Para conhecer o novo trabalho de Salgado:
Rafael Freire

35 milhões de norte-americanos passam fome


Um estudo do Departamento de Agricultura dos EUA revelou que 35 milhões de norte-americanos (12% do total da população) têm sérias dificuldades financeiras para comprar comida. Segundo o estudo, esses americanos vivem com “segurança alimentar muito baixa” e se viram obrigados a “reduzir a quantidade de alimento consumida ou deixar de fazer uma ou mais refeições por dia”. Para amenizar o impacto negativo desse levantamento na opinião pública, seu anúncio só foi feito após as eleições parlamentares nos EUA e a palavra “fome”, que era usada em todos os estudos dos anos anteriores, foi substituída por esse eufemismo de “baixa segurança alimentar”. Para a organização que combate a fome nos EUA, Bread for the World, “a idéia de remover a palavra fome de nossos informes oficiais é um enorme desserviço aos milhões de americanos que lutam diariamente para se alimentar. Não podemos esconder a realidade.”

Aumentou também a desigualdade social nos EUA. O salário mínimo não sobe desde 1996 e a renda dos mais pobres subiu apenas 3% entre 1989 e 2006, enquanto que a dos mais ricos subiu 42% e a dos milionários (1% da população) subiu 75% nesse mesmo período.


Humberto Lima

A íntegra da pesquisa sobre a fome nos EUA pode ser encontrada no site www.ers.usda.gov/publications/err29

19.11.06

Friedman já estava morto!

No dia 16 de novembro, morreu o economista norte-americano Milton Friedman. A imprensa capitalista brasileira e mundial têm reservado longas reportagens em elogio à obra de Friedman. De fato, para os grandes monopólios internacionais as idéias de Friedman foram muito lucrativas. Para o restante da população, no entanto, elas trouxeram mais desemprego e desigualdade social.

Após a crise que se seguiu à quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929, e com o vigoroso crescimento econômico e social da União Soviética, as propostas dos liberais foram rejeitadas em todos os países do mundo. No bloco socialista seguia-se com sucesso o Planejamento Econômico Estatal, enquanto que no bloco capitalista os liberais eram substituídos pelos “keynesianos”, seguidores do economista inglês Jonh M. Keynes, que entre outras coisas reconhecia que as leis de mercado sozinhas eram incapazes de levar a economia ao equilíbrio, e defendia uma maior participação do Estado na economia.

Na década de 1970, com o revisionismo na URSS e a nova crise no bloco capitalista com o choque do petróleo, os liberais voltaram a ganhar terreno, agora com o nome de neoliberais. Friedman era o principal líder desse processo e por isso é conhecido como o “pai do neoliberalismo”. O receituário, no entanto, era praticamente o mesmo: recessão, juros altos, corte de gastos, abertura comercial, superávit primário, privatizações e maior controle da economia pelas grandes empresas privadas.
Com essas medidas, Friedman foi assessor dos ultra-reacionários Ronald Regan nos EUA, Margath Tacher na Inglaterra e até de Pinochet no Chile. O auge da influência neoliberal se deu na década de 1990, com o Consenso de Washington, quando os governantes de vários países se comprometeram com as propostas neoliberais.

No entanto, o resultado dessas medidas foi muito diferente daquele propagandeado por Friedman e outros neoliberais. Aumentaram as desigualdades sociais e nacionais; aumentou o desemprego, inclusive na Europa; direitos trabalhistas e sociais históricos foram retirados; aumentou o poder das empresas multinacionais e diminuiu o dos sindicatos.

Esses resultados tornaram o neoliberalismo indefensável em quase todos os cantos do mundo. Isso é comprovado com as vitórias de candidatos mais à esquerda na Espanha e na Itália, pela vitória do NÃO na França e na Holanda no plebiscito sobre uma maior abertura comercial européia, e pela eleição de vários candidatos de esquerda na América Latina. Até no Brasil, o partido das privatizações e das reformas neoliberais, o PSDB, teve que esconder suas posições na última eleição presidencial e, mesmo assim, foi derrotado.
Por tudo isso, o choro da burguesia internacional é muito menos por Friedman do que pelo desmascaramento dos verdadeiros interesses do neoliberalismo aos olhos de um número cada vez maior de pessoas.
Humberto Lima
Sindicalistas alemães protestam
contra reformas neoliberais

15.11.06

Igreja de São Francisco (João Pessoa - PB)

Esta igreja é belíssima, por dentro e por fora. Aqui se vê o cruzeiro (que é bem grande), o vasto pátio e a fronte do prédio.

Foto: Rafael Freire

Terras

Extensa monocultura,
Ditadura orgânica
Que açoita a terra
E reduz os homens
A braços e facões,
Suor e fuligem
Debaixo do sol

Longínquas serras,
Frutos do chão,
Encerrando o horizonte
Da nossa liberdade de olhar

Ah, estas terras!
Natureza moldada a muito trabalho,
Viva imagem do passado
Embuste da modernidade
Que perdeu o tempo de colheita


Rafael Freire

Dia de Circo

Eu e mamãe seguíamos despreocupados para a grande lona, quando topamos com uma figura horrorosa. Era um homem, ou pelo menos lembrava isso. Mas ele tinha riscos nos olhos, e a pele enrugada, muito velha, e muito pálida, branca mesmo. E uma boca enorme, e um cabelo colorido e assanhado, e um nariz tão inchado que mais parecia uma bola vermelha.

Eu sabia que era um palhaço, claro, mas nunca tinha visto um assim de perto. Ele parecia uma pessoa normal, mas não era. E o problema era exatamente esse. Era assim meio homem, meio monstro. E eu acho que é por isso que as crianças têm tanto medo dos palhaços.

Aquela figura me impressionou muito. Me pôs medo mesmo. Tanto que nem pude pedir a mamãe uma explicação. E fiquei com aquilo guardado só para mim.

Lá dentro, vi o leão, mas o leão eu via todo dia no desenho da TV. Vi o elefante, mas o elefante eu também já conhecia dos filmes. Vi a bailarina, mas a bailarina, minha vizinha, ia quase todo dia para a aula de balé. Vi o mágico, mas o mágico tinha ido há poucos dias na minha escola. Vi o malabarista, mas aquilo que ele faz deve ser tão fácil que até meninos da minha idade fazem nos sinais das ruas. Eu esperava ansioso mesmo era pelo palhaço.

Depois de muita demora, finalmente ele veio. De primeira, não me pareceu menos horroroso. E eu olhava para as outras crianças, e muitas delas também pareciam assustadas. Mas logo eu botei para rir. Eu e as outras crianças. E também mamãe e as outras mães, e os pais presentes. No fim, todos batemos muitas palmas.

Saí tenso da lona quando acabou o espetáculo. Era a minha vontade de rever o palhaço. Mamãe já me puxava para ir embora, mas eu pedi que demorasse um pouquinho. Quando ela já não agüentava mais, ele apareceu: o palhaço. Andando torto como no picadeiro. Aí fui eu que puxei mamãe. Andamos depressa atrás dele e o alcançamos. Eu já não tinha mais medo algum. Ele de costas para nós, fui e puxei pelas suas calças. Dei-lhe um susto enorme, ou pelo menos fingiu que teve susto. Então disparei a pergunta que eu tinha guardado:

― Qual é a sua idade?

E ele, surpreso, respondeu com carinho:

― Meu filho, o palhaço não tem idade. Eu vivo enquanto as pessoas puderem rir.

― Então é por isso que você é tão velho. Porque as pessoas riem muito de você.

― Acho que sim. Esse é o meu trabalho.

― Ah, entendi tudo agora. – e virando-me para minha mãe – Olha mamãe, ele é mais normal do que eu pensava. Ele é como você e o papai. Precisa trabalhar para poder sobreviver.
Rafael Freire
15 de novembro de 2006

13.11.06

Sobre a propaganda do TSE nas eleições 2006


Durante a última eleição, todos os brasileiros viram, ao lado da propaganda política dos partidos, a propaganda do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De uma maneira geral, acho que a propaganda do TSE cumpriu seu papel de informar sobre as eleições e os procedimentos da votação. Entretanto, cometeu também dois erros graves.

O primeiro, na minha opinião, foi quando escolheu o péssimo slogan: “agora, você é o patrão”. Ora, quem disse que eu quero ser o patrão? Quem disse que ser patrão é bom? Quem disse que os patrões sabem escolher melhor? Pelo contrário, para a grande maioria dos trabalhadores assalariados brasileiros, patrão é aquele que explora, que não se importa com o bem-estar dos trabalhadores, mas apenas no lucro da empresa. A própria Justiça brasileira, ao garantir que na Justiça do Trabalho os patrões e os empregados sejam representados separadamente, reconhece que o patrão tem interesses diferentes dos interesses dos trabalhadores. No fundo, esse slogan carrega uma forte carga ideológica de classe, que acaba por esconder o conflito entre patrões e trabalhadores.

O segundo erro é quando o TSE trata das formas com que se deve cobrar dos candidatos eleitos o cumprimento de suas propostas. Após falar da importância da pressão social, o que de fato é muito importante, o TSE diz como essa pressão deve ser feita. Para o TSE, a maneira mais correta de fiscalizar e participar dos mandatos, e, por tabela, da vida política do país, é... através de cartas e e-mails!!! Depois, exibe o depoimento de cidadãos que dizem ir à Assembléia Legislativa e à Câmara dos Vereadores, etc, etc.

Mas, será que esse tipo de cobrança tem mesmo resultado? Quando na história do Brasil alguma importante mobilização social foi feita através de cartas? Mais ainda: o que essas pessoas que vão às assembléias fazem lá? Quantas pessoas fazem isso? Será que ao menos são atendidas???

Acho que com essas perguntas fica claro que, nesse ponto, a propaganda do TSE tem apenas a intenção de ser politicamente correta, mas está longe de indicar as verdadeiras maneiras pelas quais o povo pode, e deve, participar da vida política do Brasil. Na linguagem de Paulo Freire, acho que a propaganda do TSE não passa sequer da consciência ingênua, quando na verdade o que se deve estimular é o surgimento da consciência organizativa. Em outras palavras, só a luta organizada é capaz de influir politicamente. Se alguém pretende participar da vida política do país deve organizar-se em alguma entidade que o represente, seja a associação de moradores de seu bairro, seu sindicato, seu diretório acadêmico e, principalmente, organizar-se em um partido político. Sem a presença e a ação desses agentes sociais coletivos as demandas populares continuarão a ser olimpicamente ignoradas pelos políticos eleitos, que seguirão legislando em causa própria.
Humberto Lima

6.11.06

Não assistam a "Efeito Borboleta 2"!


Aqui vai nossa primeira dica de cinema: NÃO ASSISTAM a "Efeito Borboleta 2" (2006)! Não percam vossos momentos de namoro ou estudo, nem vossos escassos trocados. Este filme não honra o título que traz.
Para aqueles que assistiram a "Efeito Borboleta" (2004), e bem sabem o quanto o filme é evolvente e cheio de reviravoltas surpreendentes, a dica é assistir novamente e nem ligar para a sua pretensa continuação que se encontra em cartaz. Para aqueles que ainda não assistiram: assistam.
"Efeito Borboleta 2" é monótono, perdeu muito em efeitos especiais e em qualidade de elenco. Não vale a pena mesmo.

3.11.06

Minha Bibisa (FOTOS)




Dona Inácia, 93 anos de muita vivacidade.

Fotos: Rafael Freire

Meu verbo é claro

Meu verbo é claro,
Meu celular é que não é:
Nosso mundo anda mal!
A coisa tá de forma tal
Que tá da cor do café.


Meu caro amigo,
Minha cara amiga,
Seja tu um homem feio
E de pequeno porte
Ou uma mulher bonita,
Além de forte,
Eu aqui vou lhes falar
De política e de Pelé,
De cultura, jornalismo e o que vier.
Eu só não posso é adivinhar,
Se você não me contar,
O que tu achou do meu blog
E quem diabo você é.

O Sonho de Lúcio

PARTE 1

Lúcio acordou tarde, como de costume. O relógio já contava dez horas, e os operários do turno da madrugada já haviam chegado a suas casas. A maioria deles já dormia. Os outros, do turno da manhã, há muito já produziam, e as crianças estavam na escola. Os rumores da rua eram poucos. Àquela hora, só Lúcio começava a se agitar, completamente alheio ao movimento que rompera o dia.


Depois de tomar o café feito pela esposa, sentou-se ao sofá da sala e foi passar à vista no jornal. O cachorro logo se atreveu a deitar-se sobre seus pés. Lúcio fez menção de espantá-lo, mas o animal, pressentindo o golpe, antecipou-se e fez-lhe um carinho na perna. O dono, comovido, trocou o chute por um cafuné.


Da pasta de dentes quase não saia mais nada, então Lúcio pegou uma nova e pôde concluir o que fazia. Apertou o interruptor, entrou no box e se deliciou com o banho quentinho. Pegou a toalha e se enxugou. Depois o barbeador. Limpou os pêlos do rosto e partiu.


A vida de Lúcio seguia então seu fluxo cotidiano. Estacionou o carro no pátio, empunhou sua pasta de todos os dias e rumou para o prédio. Subiu até o velho sexto andar. Entrou sem precisar bater na porta. Deu bom dia. Sentou-se ao computador e começou, faltando meia hora para o meio dia, aquele seu trabalho meia-boca.


Na aparência era feliz, mas as noites em claro trabalhando em casa, o enfado matinal de sua mulher, as caras conhecidas da rua e do trabalho eram já para ele um tormento.


Seu expediente na firma era de seis horas diárias, indo até por volta das sete. Não gostava de almoçar, fazia apenas um lanche com os colegas no meio da tarde. À noite, enquanto voltava para casa, pensava já no caminho o quanto gostaria de ver uma carinha melhor de sua esposa. Afinal, ainda havia entre eles algum afeto.


Porém, nesse dia, não viu cara alguma. Um carro que avançou o sinal bateu-lhe certeiro na lateral do carro. Estava tudo acabado: seus planos de abrir uma firma própria; o filho que o casal ainda não concebera; as férias tão merecidas. O outro motorista também morreu. Foi uma tragédia e tanto.


Não se pode dizer que deixou quantia significativa para a esposa, mas o fato é que faziam muitas economias. Inclusive, moravam num bairro popular para economizar no aluguel. E foi assim que Lúcio se despediu da vida.

PARTE 2

Lúcio acordou muito cedo, como de costume. O relógio contava ainda quatro e meia, e os operários do turno da madrugada já estavam ansiosos por largar as máquinas e chegar a suas casas. Os outros do turno da manhã também começavam a despertar, e as crianças, há essa hora, apenas sonhavam. Os rumores da rua eram poucos, mas começavam a se agitar. Enquanto isso, Carla, esposa de Lúcio, permanecia completamente alheia ao movimento que rompia o dia. Era comerciária e só pegava no trabalho às oito.


Depois de tomar o café que fez na hora, espreguiçou-se no sofá da sala e foi passar à vista na janela da rua. O cachorro logo se atreveu a latir, e Lúcio deu-lhe dois gritos para calar a boca. Ainda fez menção de espantá-lo, esticando o braço, mas o animal, pressentindo o golpe, fez que ia correr, ficou, e se calou no mesmo instante.


Da pasta de dentes quase não saia mais nada, mas Lúcio ainda pôde concluir o que fazia, não sem antes condenar ao inferno este maldito mundo de pobre. Apertou o interruptor, pois a luz ainda estava apagada, abriu a cortina e se arrepiou todo com a ducha de água fria. Pegou a toalha e se enxugou. Depois o pente. Penteou os cabelos e partiu.


A vida de Lúcio seguia então seu fluxo cotidiano. O ônibus da empresa estacionou no pátio. Todos desceram empunhando suas mochilas de pertences e rumaram para o prédio. Subiu as escadas até o pavimento. Apossou-se da máquina sem precisar pedir a ninguém. Sentou-se ao painel de controle e começou, exatamente às seis horas, o trabalho que era seu pão de cada dia.


Na aparência era feliz. E realmente o era. Suas noites de sono eram profundas, pois o cansaço nunca lhe permitiu que fossem de outra forma. O enfado matinal do bom sono interrompido era compensado com as caras amigas da rua e do trabalho. Seu único tormento era saber que de tudo que produzia quase nada ficava para ele.


Seu expediente na fábrica era, em média, de oito horas diárias, indo até por volta das duas. Só almoçava no meio da tarde. Enquanto voltava para casa, no ônibus com os colegas, pensava no quanto gostaria de ver a carinha de sua esposa quando ela chegasse do trabalho à noite. Afinal, eles se amavam muito.


Porém, nesse dia, não viu cara alguma. Um carro que avançou o sinal bateu certeiro na lateral de outro carro, justo no momento em que Lúcio atravessava a rua. Estava tudo acabado: seus planos voltar a estudar à noite; de receber um aumento na fábrica e não precisar mais fazer bicos no restante do dia; o filho que o casal ainda não concebera; as férias tão merecidas. Os motoristas dos dois carros se machucaram bastante, mas sem risco de vida. Foi uma tragédia e tanto.


Não pôde deixar quantia alguma para a esposa. Faziam muitas economias, mas, mesmo num bairro popular, o aluguel era muito caro.


Enquanto teve ainda algum fio de consciência depois da pancada, Lúcio pensou em Carla e se lembrou do sonho estranho que tivera durante a noite. Sua vida era tão diferente. Uma história complemente oposta à sua realidade.


Com os pensamentos já confusos, Lúcio morreu maldizendo o trabalho na firma, as noites em claro e o enfado matinal de sua mulher. Morreu com um sonho na cabeça. E foi assim que Lúcio se despediu da vida.

Rafael Freire

03/11/06

Conto da Descoberta

Acabara de entrar na universidade. Estava realizada com o bacharelado em Geografia. Quando pequena, adorava brincar ao ar livre. Sentia agora seu lado humano completado com o estudo da natureza; as vegetações, as formações rochosas, as águas. Só duas coisas lhe incomodavam: as gracinhas dos mais inoportunos durante as aulas de campo, e o esquematismo estéril do professor de Geopolítica I.

A cidade entrou em efervescência. Certo dia, na aula de Introdução à Cartografia, um dos representantes do diretório passou em sala convocando os estudantes para a passeata do dia seguinte.

Enquanto falava, percebera a atenção daquela bela garota à sua frente. Finalizou o discurso convidando voluntários para ajudar na organização do ato. Flávia logo se propôs. Havia se impressionado; pela segurança e pelas feições do moço.

No outro dia, a Praça Universitária estava tomada. Seguiram em marcha rumo ao centro comercial da cidade. Flávia, entusiasmada com sua primeira manifestação política, agitava as palavras-de-ordem junto com suas amigas e, mesmo em meio à multidão, não perdia de vista o rapaz do diretório.

Este fazia o contato entre o carro de som e a coordenação da passeata que seguia a pé. Corria de um lado para o outro, mas sempre achava uma brecha para passar pelas meninas.

À passeata, somaram-se algumas pessoas que andavam pelo comércio e logo chegaram à Prefeitura Municipal. Lá, uma enorme quantidade de estudantes secundaristas já trancava a rua. Pelas vias laterais não parava de confluir mais gente.

O clima estava quente. O sol escaldava as cabeças, e a tensão aumentara com as primeiras falas das lideranças. A orientação era ocupar o prédio.

Um cordão policial separava a multidão da porta. O grupo à frente começou a forçar passagem. Saíram os primeiros empurrões e pontapés.

Um policial a cavalo irrompeu violentamente entre os estudantes, derrubando vários. Abriu-se um grande círculo, espremendo os que estavam ao redor. A direção do ato vacilava. Algumas pessoas dispersaram. O rapaz do diretório correu.

Indignada, pela repressão e pela decepção, Flávia apanhou duas pedras. Com uma, acertou o policial sem tanta força. Com a outra, deixou em farelos a porta de vidro.

Todos viram quem atirara as pedras. A massa, surpresa, mas agora encorajada, retomou a ofensiva, rompeu o cerco e ocupou o prédio.

Sentindo desfavorável a correlação de forças, a PM decidiu relaxar.

Lá dentro, formou-se a comissão de negociação. Nove rapazes e uma moça. Não havendo acordo, as manifestações se prolongaram por duas semanas.

Numa madrugada, cinco jovens foram detidos enquanto escreviam nos muros letras de rebeldia. As letras disformes, num exercício de caligrafia política, falavam de direitos estudantis e de mudanças sociais. Entre os detidos, quatro rapazes e uma moça.
Rafael Freire
17/11/05

O Camarada Miguel

Na hora, todos pensaram que havia sido ele. Eu não. Tinha certeza que não.

Até então, éramos apenas nós dois na escola. O tesoureiro estava de cama já há duas semanas, e Miguel havia assumido temporariamente as finanças. Em particular, a organização da rifa.

O prêmio seria uma cesta de livros com clássicos da literatura mundial e romances do modernismo brasileiro. Cada integrante ou apoiador do grêmio recebeu um bloco de rifas. Quem vendesse mais ganharia uma seleção de contos de Machado de Assis.

Tudo transcorria como o previsto. Ao final do dia, todo o apurado era depositado na caixinha. Contudo, faltando três dias para o sorteio, um incidente. Nenhum tilintar de moedas ou notas se amontoando. Só o som seco da madeira do cofrinho.

Todos se entreolharam. Logo aquele suspense se personificou em Miguel, o único que possuía a chave do cadeado. Ali, pude ter certeza de que realmente tem gente que não gosta da gente. “Por que será?”, pensei. Miguel nem se abalou.

Alguns dos presentes fingiram que nada havia acontecido e saíram de fininho. Não queriam perder tempo para soltar a bomba que, pela situação, cairia sobre nós.

Saímos também rapidamente. Os outros ficaram se perguntando quem teria roubado o dinheiro e como teriam feito para tirá-lo sem mexer no cadeado, que permanecera intacto.

Miguel me arrastava para um canto e, enquanto isso, eu raciocinava: “pelo menos todos os livros foram conseguidos com doações, portanto, mesmo que o dinheiro não apareça, não ficará dívida”.

Expus-lhe meu pensamento. Miguel me interrompeu e, um tanto irritado, explicou-me que não se tratava apenas daquilo resultar ou não em dívida . O principal era a continuidade do trabalho que estávamos construindo. O trabalho individual com cada um dos mais dispostos que se envolveram com o grêmio. E o trabalho mais amplo, de agitação e conscientização, com o conjunto dos estudantes.

Aí foi a minha vez de interrompê-lo. Questionei por que ele não havia se defendido logo no momento da infeliz descoberta. Retrucou-me que não havia nada de que se defender. Franziu a testa e, olhando nos meus olhos, fez sinal para saber se estava de acordo. Respondi, com outro sinal, que sim.

— Eles saíram de lá para planejar como nos difamarão. E nós para planejarmos como vamos resolver isto. É perda de tempo nos preocuparmos, agora, em saber quem levou o dinheiro. Não há nenhuma evidência e, de qualquer maneira, irão me incriminar. Temos é que restituir o recurso ao cofre.

Mais uma vez estava certo. Traçamos duas ações e partimos.

O boato se espalhou velozmente e ficou ainda mais forte por que não aparecemos no dia seguinte. A direção da escola já procurava por Miguel.

Reunimos, numa plenária, os três núcleos da cidade. Destacamos oito pessoas, formando duas equipes. Com o dia inteiro de pedágio arrecadamos quase dois terços do valor.

Uma semana depois, encontrei, por acaso, um dos motoristas que havia contribuído no sinal. Ele me perguntou se a viagem havia sido cancelada. Respondi, meio encabulado, que não: “— Eu é que adoeci e, por isso, não pude participar do congresso”.

Faltava um dia para o sorteio. A rifa estava suspensa. A escola em polvorosa. Aparecemos e parecia que seríamos apedrejados.

Tratamos logo de reunir a diretoria do grêmio. Miguel pôs o recurso do pedágio em cima da mesa e explicou como o conseguimos, sem dar brecha para qualquer questionamento. Finalizou dizendo que passaríamos em todas as classes confirmando o sorteio para o dia seguinte e garantindo que a diretoria do grêmio já estava de posse do dinheiro da rifa.

Assim o fizemos. Enquanto ele se dirigia à turma, eu abordava o professor fora da sala, vendendo a rifa a um preço majorado, argumentando que era uma contribuição para a luta.

Na hora marcada, o sorteio foi realizado. Miguel apresentou publicamente a prestação de contas e o cofrinho com o dinheiro.

O prêmio por vender mais rifas ficou comigo, o que já estava nas nossas contas. Fomos, então, ao sebo de um conhecido, vendemos o livro e completamos o restinho que faltava para saldar o caixa.

Com o tempo, as coisas mudaram. Depois da gestão de Miguel, cheguei, também, a presidente do grêmio, e ainda estamos por lá.

Agora, já concluí a universidade, e Miguel está bem longe daqui, fazendo nosso trabalho em algum lugar que não conheço com precisão.

Poucos de hoje o conheceram. Mas àqueles que me perguntam onde está esse Miguel de que tanto falo, respondo, olhando para mim e para os outros tantos companheiros:

— Aqui está o camarada Miguel.
Rafael Freire
30/11/05

A Luz Amarela

Subíamos o barranco. O cheiro de terra molhada era forte. O mato úmido roçava os joelhos por entre o caminho. A lama gelada cobria cada passada. As copas das árvores se abraçavam. A escuridão fazia-se senhora. E meu guia, muito mais afeito àquela caminhada, seguia rápido, quase me deixando para trás.

Concluída a subida, era a hora da descida. No primeiro passo meu pé escorregou. Fez-me recobrar meu medo de altura. Continuamos. Neste outro lado o solo estava seco e bastante esburacado, formando uma espécie de escadaria.

Sem maiores aventuras, chegamos à pista. O carro que passou rasgando a noite logo se distanciou, deixando um rastro de solidão.

Cruzamos a pista, depois o campinho de futebol. Aquelas traves de pau envergado não agüentariam uma bolada mais forte. Lamentei o quanto tempo não jogava uma partida.

Ventava, e os coqueiros pareciam nos abanar, espantando o calor. A lua agora clareava, mas pouco podia ainda se ver.

Alcançamos a rua principal. A luz amarela dos postes restituiu-me a noção das coisas. Estava novamente independente do meu guia. Veio-me uma pontinha de felicidade. Nada melhor do que ser dono dos próprios atos! Enxergar o caminho que se trilha.

Pode não parecer, mas vínhamos conversando. A conjuntura do país era tema certo em qualquer bate-papo. A boa afinação com meu interlocutor também ajudou a me reanimar.

Pela rua, casinhas simples. Gente simples nas calçadas. Provavelmente falando das coisas simples do lugar, intercalando comentários sobre a crise política.

Todos olhavam para nós. Perguntavam-se quem seria aquele rapaz nunca antes visto. Muitos deduziram. Aos cumprimentos ao meu companheiro, respondíamos com um cordial “boa noite!”, seguido do convite ao evento.

Fiquei apenas na vontade de interagir mais com aquela gente. Nosso tempo estava apertado e era preciso chegar antes do horário para deixar tudo pronto.

No salão da associação, mais gente simples. Poucos ainda. O assunto era o Congresso Nacional. O tom era de revolta. Dos presentes, só um desdenhava, argumentando que isso sempre foi assim, “do vereador ao presidente!”.

Uma mocinha interveio:

— É por isso que nós só temos a nós mesmos.

Sua tia velha concordou, balançando a cabeça. O homem torceu a boca, cético.

Esbocei um sorriso de suave contentamento. Havia naquela conversa muita sinceridade. Verdades brutas que precisavam ser lapidadas. Mas já verdades. Eu apenas observava.

O salão encheu. Após ser apresentado como palestrante pelo meu anfitrião, um suspense gostoso envolveu a todos. Pairava naquelas cabeças o que poderia eu, um típico jovem da cidade, ensinar-lhes de novo.

Dispensei o microfone. Não por cena, mas porque o som estava péssimo. Juntei minhas anotações e me ergui.

Desde que sentara à mesa, tentava olhar para cada um ali presente, mas eram muitos. Havia todos os tipos: belas moças; magros rapazes de barba por fazer; cabelos brancos; homens cujas faces eram a pura expressão do trabalho duro; crianças em idade de traquinagem; crianças em idade de colo com suas mães maltratadas. E, no meio deles, eu.

Fiz um último esforço de concentração e comecei. Quando acabei, foram muitos os aplausos. Nosso representante local também foi muito aplaudido. Fiquei orgulhoso.

Findada a atividade, varremos o salão com a ajuda de alguns voluntários. Refiz satisfeito o caminho de volta.

Ali, pude perceber como são boas as coisas simples. Ali, tenho certeza, eu fui o guia.

Ali, aquela gente sofrida também alcançara a rua principal, e, pela primeira vez, a luz amarela dos postes chegou-lhes aos olhos que antes nada viam.
Rafael Freire
02/12/05

Lançado "O Cordel do Manifesto Comunista"


O escritor paraibano Medeiros Braga publicou, em abril, pela Editora Alfa-Ômega, O Cordel do Manifesto Comunista, obra de arte da maior significação para a luta pela vitória do comunismo. É uma valiosa contribuição ao esclarecimento da grande maioria do povo brasileiro, os trabalhadores.

Os ensinamentos de Marx e Engels estão expressos nos versos ao alcance do mais humilde operário. E, neste momento histórico, é oportuno, um trabalho que atinja com mais intensidade a grande massa espoliada pelo capitalismo cruel que está aumentando o desemprego, a fome e a miséria em todo o mundo.

O Manifesto Comunista, grande obra revolucionária, constitui-se num ensaio de cultura política, mas tem sido lido principalmente por intelectuais ou pessoas de escolaridade de média para cima. Agora, com O Cordel do Manifesto Comunista em verso para o povo simples, a verdade será muito mais divulgada.

Este fato é da maior importância – insisto – para apressar a revolução, que, no tempo histórico, está bem próxima. Os acontecimentos do momento em todo o planeta, principalmente na América Latina e Europa, comprovam as evidências já expostas no Manifesto e revelam o avanço em ritmo acelerado da luta pelo comunismo, única forma de a humanidade ser feliz, atualmente asfixiada com os problemas sociais do capitalismo, em fase pré-agônica.

Hoje, recrudesce a luta contra o capitalismo. Basta ler as próprias publicações a serviço do imperialismo. É impossível censurar as grandes manifestações de rua, como vem ocorrendo na França e em outras partes do mundo, seja na luta pelos direitos essenciais do povo, seja na luta contra as guerras imperialistas.

* Luzimar MEDEIROS BRAGA nasceu em 1941, na cidade de Nazarezinho-PB. É economista, jornalista, poeta popular e escritor. Além de inúmeros cordéis de cunho político, como Castro Alves, Zumbi, Brecht, Caldeirão da Santa Cruz, também escreveu poesia, romance e economia política.
Oduvaldo Batista, jornalista

Identificados restos mortais do guerrilheiro Luiz José da Cunha



Os restos mortais do guerrilheiro Luiz José da Cunha, o Comandante Crioulo, da Ação Libertadora Nacional - ALN, foram, finalmente, identificados. Ele foi morto em julho de 1973 em São Paulo, durante uma emboscada do DOI-Codi, e enterrado como indigente no Cemitério Dom Bosco, na vala clandestina de Perus, em São Paulo.

Segundo autópsia recuperada em 1995 pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Regime Militar, Cunha foi torturado até a morte e teve a cabeça arrancada. No laudo original dos arquivos do Regime consta como causa da morte um tiro recebido durante confronto com a polícia. Porém, uma foto de seu corpo mostra diversas lesões em seu rosto, numa evidência de que ele foi morto sob torturas.

O Cemitério Dom Bosco foi construído na gestão do prefeito Paulo Maluf, com o objetivo de enterrar “corpos não identificados”, entre eles indigentes e militantes assassinados nos porões da ditadura.

A solução para o caso começou ainda em 1990, quando foi descoberta a vala clandestina contendo 1.049 ossadas. Em 1992, as famílias supuseram ter encontrado os restos de Hiroaki Torigoe (já identificado) e de Luiz José da Cunha. Sua ossada foi levada, inicialmente, para o Departamento de Medicina Legal da Unicamp, que sob o comando do legista Badan Palhares (famoso pelo caso PC Farias), agiu com descaso e não conclui laudo algum. Em 2000, a ossada foi levada ao DML da USP, e só agora, 33 anos após seu assassinato, a família de Luiz José da Cunha pôde reaver seu ente querido.

Casos como este não são exceção. O Regime Militar que, além de aprofundar a exploração capitalista no Brasil a partir do arrocho salarial e da abertura do nosso país ao capital estrangeiro (sendo ele o pai da atual e gigantesca dívida externa), oprimiu, torturou, assassinou e procurou dar fim à luta por justiça social, a luta pelo socialismo.

Contudo, esta luta só tem um fim: a vitória do povo sobre seus opressores. A todos os mortos e desaparecidos, prometemos honrar seus nomes na luta.
LUIZ JOSÉ DA CUNHA VIVE!
Rafael Freire

Fundada Casa Ernesto Che Guevara


No dia 26 de julho deste ano, foi fundado, no estado da Paraíba, o Centro Cultural de Amizade Brasil-Cuba – Casa Ernesto Che Guevara. A data foi escolhida para comemorar o 53º aniversário do ataque ao Quartel Moncada, em Cuba (episódio que deu início à Revolução Cubana).

A fundação desta nova entidade foi uma tarefa assumida pelo grupo de companheiros que representaram a Paraíba na XIV Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba, realizada em Recife, em junho.

No ato de fundação, foi eleita uma coordenação provisória para organizar e estruturar a Casa, arregimentando sócios e programando suas atividades iniciais. A primeira delas, já ocorrida, foi a comemoração aos 80 anos do comandante Fidel Castro, e já estão programas para o mês de setembro uma série de debates pela libertação dos Cinco Patriotas cubanos presos nos EUA.

A fundação da Casa Ernesto Che Guevara foi um passo decisivo para consolidar o movimento de solidariedade a Cuba na Paraíba, principalmente devido aos últimos ataques por parte do governo Bush, decorrentes da debilidade na saúde de Fidel Castro.
Rafael Freire

Entrevista com Aleida Guevara


Aleida Guevara March, 43 anos, não é apenas filha de Che Guevara. Esta entrevista concedida ao Jornal A Verdade durante a XII Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba, em Salvador, em agosto de 2004, mostra isso. Além do sobrenome do Comandante Ernesto Guevara, Aleida traz consigo a firmeza revolucionária e a paixão de seu pai ao falar sobre Cuba e a América Latina. Também reafirma o papel da Revolução nas conquistas do povo cubano e aponta o Socialismo como o único sistema capaz de dar aos trabalhadores a plena liberdade.

A VERDADE: Conte-nos um pouco de sua história: sua formação política, profissional e o que tem feito hoje.

Aleida Guevara: Primeiro, eu sou de Cuba. Tenho uma Revolução Socialista. Portanto, eu sou formada pelo povo cubano. Decidi ser médica e cumprir uma missão internacionalista. Morei na Nicarágua durante um ano e em Angola por outros dois. Tenho duas filhas, e há mais de dez anos milito no Partido Comunista Cubano.

Naturalmente, para ser militante do Partido Comunista não é se tu queres, mas sim se tu podes, que são coisas diferentes. É preciso vontade como pressuposto, mas as pessoas que ti rodeiam têm que ver em ti exemplo, dignidade, um ser humano o mais completo possível, para que então possa ser militante do Partido Comunista. Por isso que em Cuba, nós que participamos do Partido nos consideramos a vanguarda da sociedade: pelo comportamento, integração e filiação política.

Acerca de dois anos, estou colaborando com o Instituto Cubano de Amizade aos Povos (ICAP). Assim, tenho a possibilidade de dizer a verdade sobre o meu povo, de evitar todas essas mentiras e tergiversações sobre a realidade cubana. Tenho trabalhado nisso nos últimos tempos, mas continuo sendo médica, atendendo a consultas no Hospital William Soler, em Havana.

A VERDADE: Neste momento, está ocorrendo a XII Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba, na cidade de Salvador, Bahia. Qual a importância deste tipo de atividade para o povo cubano e para o povo brasileiro?

Aleida: Esta Convenção serve para analisar como vai o trabalho das organizações de solidariedade, e nela Cuba tem a possibilidade de tratar com a maior parte das representações de todo o país sobre as dificuldades que tem e, portanto, onde devemos encaminhar esta solidariedade.

Neste momento, estamos numa das batalhas mais importantes para o povo cubano que é a liberação dos cinco heróis presos nos Estados Unidos. Cinco homens que lutam contra o terrorismo e que os norte-americanos acusam de espionagem, de conspiração. Então o povo cubano está tratando de romper a barreira de silêncio que é imposta pelos EUA sobre tudo isto, para que a maior quantidade possível de pessoas conheça a verdade. Depois, é uma decisão pessoal. Se queres apoiar é tua decisão. Mas é preciso saber a verdade para ter elementos para uma opinião.

Além disso, nestes dias, o presidente Bush lançou ao mundo uma proclamação, com várias leis já conhecidas pelo povo cubano, acrescentadas com um novo capítulo, de maneira tal que, agora, será mais difícil a vida para o povo cubano. O bloqueio será mais difícil, mais cruel. E nisso também necessitamos de solidariedade, para que as pessoas do mundo conheçam o que está acontecendo e nos ajudem a romper com este tipo de ação criminosa contra o povo de Cuba.

Estas atividades são muito importantes para falarmos a nossa verdade e as nossas necessidades. E, da mesma forma, eu penso que para qualquer povo, ser solidário com outro povo, apesar de ter suas próprias dificuldades, ajuda a se sentir como ser humano. Assim é o caso do Brasil, pois os companheiros que estão aqui, com muita força - porque vir à Bahia ou a qualquer outra parte do Brasil não é fácil -, falam do amor e do respeito que têm pelo povo cubano e por sua Revolução. E como disse José Martí: “Um homem que vê as virtudes de outro homem as deve seguir”. Desta forma, nós somos muito mais para seguir combatendo.

A VERDADE: Apesar do severo bloqueio econômico, Cuba possui um dos melhores índices de saúde e educação do mundo. Além disso, consegue ser também uma potência mundial nos esportes. Quais as perspectivas de Cuba para as Olimpíadas de Atenas, em agosto?

Aleida: No momento em que estamos vivendo, vai ser difícil para a delegação cubana ultrapassar as vitórias das Olimpíadas passadas, na Austrália. Mas é sempre o que digo: superar a vez anterior, melhorar a vez anterior. Para Cuba, esta competição deve ser mais difícil, mais dura, porque agora muitas outras partes do mundo, sobretudo a América Latina e os países chamados de Terceiro Mundo posuem estruturas de esporte.

Não importa se ganhamos ou perdemos. Quando há um triunfo de um povo chamado Terceiro Mundo e, além disso, Cuba sabe que de alguma maneira contribui para isso, já é para nós uma vitória. Então sempre esperamos uma Olimpíada com a intenção de poder ver o que iremos conseguir com nossa ajuda solidária.

A VERDADE: Por sua formação como médica, fale um pouco sobre o sistema de saúde em Cuba, seu internacionalismo com os países pobres e o conceito de medicina preventiva.

Aleida: A atualização do sistema nacional de saúde aborda todos estes aspectos. A política mais importante deste sistema é a prevenção de enfermidades. Temos ainda como pressuposto, um elemento muito importante que é o médico da família. Ele domina a situação, é a base e dá informação ao sistema superior, de forma tal que podemos controlar melhor os problemas reais da população cubana.

No ano passado, Cuba pesquisou crianças com retardo mental e fomos a toda a população do país. Descobrimos uma comunidade que vive muito próxima à desembocadura de um rio, cuja água tem muitos minerais, e que de alguma maneira isso deve ter influenciado para que essa comunidade tenha incidência de crianças com retardo mental. Pois bem. Neste mês, o Comandante em Chefe Fidel Castro vai inaugurar uma escola especial nesse município para poder dar uma maior atenção às crianças com problemas. Está-se investigando fortemente a água e o ar para buscar uma solução preventiva para esta doença.

Estamos desenvolvendo muitos projetos interessantes. Eu penso que nos próximos anos, se os EUA não atacarem como dizem que vão fazer, teremos a oportunidade de conseguir avanços importantes para a saúde dos povos. Digo dos povos, porque quando temos que cooperar com qualquer outro povo do mundo, fazemos com muito gosto.

Ano passado, quando Cuba estava sendo avaliada por seus direitos humanos, e alguns países da América Latina se prestaram ao papel de condenar Cuba, entre eles o governo do Uruguai, este país estava sofrendo uma epidemia de meningo-encefalite-menincogócica, e Cuba mandou um avião com um milhão de vacinas totalmente gratuitas para a população do Uruguai. Neste sentido, você pode ter uma idéia de como trabalhamos em Cuba o problema da saúde, e o quanto estamos comprometidos com o caráter internacionalista da nossa Revolução.

A VERDADE: A burguesia ensina nas escolas e universidades, e propaga na sua imprensa que o Socialismo fracassou. Contudo, o que vemos é a heróica resistência do povo cubano e os avanços que você acabou de relatar, e a luta revolucionária dos trabalhadores em todo o mundo. Como você encara hoje o desafio da humanidade em superar o capitalismo e alcançar o Socialismo?

Aleida: Até que me provem o contrário, eu acredito que o único sistema que pode salvar o nosso povo da catástrofe econômica e social em que vivemos é o sistema Socialista. Porque se fizermos uma comparação entre povo cubano e o povo brasileiro, veremos que temos raízes culturais praticamente iguais. A mesma exploração durante séculos por colônias européias, e depois por uma neo-colônia estadunidense. Nesse sentido, veja a diferença entre a saúde e a educação em Cuba e no Brasil: está simplesmente no sistema social no qual nos desenvolvemos.

A questão é que cada país é um mundo à parte, e tem sua própria maneira de ser. Não se podem copiar as coisas de um povo para outro, porém, podem-se criar. Assim, eu penso que Cuba é um exemplo e uma possibilidade.

O capitalismo existe há mais de duzentos anos, mas não resolveu o problema da maioria da sociedade. Então, que se busque outro sistema. Chama-lhe como queiras. O que conhecemos em Cuba se chama Socialismo. E me parece que até agora não inventaram outra coisa que possa superá-lo e que possa ser diferente, em essência, da sociedade capitalista. Portanto, nós temos que falar de uma possibilidade para todos, que é uma sociedade Socialista.

A VERDADE: O capitalismo imperialista possui, hoje, várias frentes de ataque contra a soberania dos povos. Que relação você estabelece entre o massacre dos iraquianos, a intervenção no Haiti, os atentados a Cuba, e a subordinação dos países pobres através das dívidas externas?

Aleida: É muito fácil. O imperialismo é a última fase do capitalismo. Está numa crise mundial extraordinária do ponto de vista econômico. Portanto, está buscando métodos para prosseguir sobrevivendo. Os EUA, atualmente a potência econômica e militar mais forte do planeta, não tem agora nada que o pare. Não há nada que tenha um poderio parecido com o dele. Mas todos sabem que sua situação está se tornando cada vez mais difícil. Que a situação econômica em que estão vivendo, está gerando uma maior crise interna desse sistema social. Por isso inventam as guerras. Para que as pessoas tenham medo e possam, então, retrair as suas necessidades por temer perderem a vida.

Há uma coisa que eu aprendi desde pequena. Há um pequeno poema que diz: o que é a vida? “Por perdida, já a vi. Quando o julgo do tirano, com um brado sacudi”. Do que serve a vida se tu não pode se expressar como um ser humano? Se não tem a possibilidade de conviver com outro ser humano com dignidade?

Então uma coisa está ligada à outra. Os EUA e a Comunidade Européia apóiam agressões a distintos povos, argumentando mil desculpas, como, por exemplo, armas de extermínio em massa, que é uma grande hipocrisia. Por que o Iraque não pode ter armas de extermínio em massa e os EUA podem ter todas? Quem disse que uns podem ter e outros não? Por que foram ao Iraque dizendo haver armas biológicas, se o povo cubano sofre há mais de 45 anos com a guerra biológica dos EUA?

É tudo uma maneira de tentar prevalecer. Eles têm tanto medo, sabem que a situação está tão difícil para o sistema capitalista, que tentam por todos os meios oprimir o povo para que não possa manifestar os seus verdadeiros interesses e necessidades.

A VERDADE: Quais medidas o povo e o governo cubanos estão tomando em vista das declarações de George Bush no dia 06 de maio, a respeito dos US$ 59 milhões para financiar a derrubada do Socialismo em Cuba?

Aleida: Nós somos um povo preparado militarmente. Eu sou médica pediatra, mas atiro muito bem. Tenho boa pontaria e estou treinada do ponto de vista militar. E assim se passa com todos os profissionais da Revolução. Todos estão preparados para resistir. O povo está preparado para resistir. Não nos enganemos. Os EUA podem atacar Cuba e podem entrar em Cuba, mas dificilmente poderão sair. Atacar-nos, entrar em território nacional, pode ser, porque têm poderio militar, mas suportar o que levarão em cima, não. Lá de dentro não saem facilmente.

A VERDADE: Recentemente, foi lançado o filme “Diários de Motocicleta”, dirigido pelo brasileiro Walter Salles, e que conta a história da primeira viagem de seu pai pela América Latina, até então Ernesto Guevara de la Serna. O que você achou do filme e que mensagem ele nos traz?

Aleida: O filme é muito bom, e eu realmente penso que mais do que um canto a Ernesto Guevara e seu companheiro de viagem, é um canto a nossa América. Ao despertar da consciência de nosso povo, de que devemos conhecer mais profundamente nossas raízes para então compreender o que se passa ao nosso redor e, o mais importante, tentar transformar esta realidade.
Entrevista: Rafael Freire e Humberto Lima