23.6.08

Morreu um comunista: nasceram ainda mais forças nos corações dos que ficaram!


No último sábado, dia 21 de junho, faleceu, aos 87 anos, o histórico jornalista e comunista paraibano Oduvaldo Batista. Há sete meses, ele havia sofrido um AVC, que lhe tirou parte dos movimentos do corpo e o forçou a se alimentar por uma sonda. Recuperava-se bem, em casa, quando um quadro de infecção se instalou e o obrigou a se internar na UTI do Hospital Memorial São Francisco. Veio a óbito às 10h30, com falência múltipla dos órgãos.

Nesse período, apesar da enfermidade, permanecia consciente todo o tempo, mantendo-se informado sobre os acontecimentos políticos, ouvindo música clássica e travando discussões com os que o visitavam. E o mais importante: nunca deixou de acreditar, a partir de uma análise científica, marxista, da história e da sociedade, na vitória final do socialismo sobre o regime da escravidão moderna.

Nascido em Alagoa Grande, em 11 de maio de 1921, Oduvaldo veio para a capital paraibana ainda criança, onde fixou residência. Na juventude, entrou para a Marinha, donde teve os primeiros contatos com o Partido Comunista, deixando a corporação pouco antes do ingresso do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Morou durante longos anos em Santos e também em São Paulo.

Tornou-se jornalista por ofício e, em todos os jornais por onde passou, seja na imprensa paulista ou paraibana, deixou sua contribuição de ética e crítica política. Atuou ainda na Associação Paraibana de Imprensa e no Sindicato dos Jornalistas da Paraíba. Sua trajetória de vida e de luta está registrada no livro Compromisso com a verdade – Meio século de jornalismo, preparado por ele e sua filha Roselis. Com mais de 80 anos, ainda integrava os quadros do jornal O Norte, em João Pessoa, além de escrever regularmente para os jornais comunistas Inverta (PCML) e A Verdade (PCR).

Camarada Oduvaldo! Tive o privilégio de te conhecer, de aprender um pouco sobre a vida contigo, de ir buscar teus artigos para o jornal A Verdade e tua contribuição material para o Centro Cultural Manoel Lisboa. Em quase todos os nossos encontros, tu me contavas (e eu bolava de rir) aquela sua controversa tese sobre a exclusividade da monogamia dos pingüins.

Na última oportunidade em que estive em tua casa, conversavas sobre Cuba e as conquistas da Revolução com nosso querido poeta Políbio. Impressionei-me com tua consciência, pois quando te vi ainda na UTI do Hospital Universitário, logo após o AVC, juro que pensei que dali não sairias mais. Parecia já morto. Mas tu só dormias. Lá em tua casa repetistes mais uma vez: “o socialismo triunfará, pois é resultado de uma marcha histórica invencível”.

Ontem, no teu enterro, chorei mais de uma vez. Fiz questão de segurar na alça de tua última veste, pois era a única forma de te abraçar. Chamei pelo teu nome três vezes e todos responderam: “presente!”. Cantei junto o refrão da Internacional, e nunca essa melodia, já tão familiar aos meus ouvidos, soou-me tão deliciosa.

O final de tarde estava lindo em nossa capital, vestido de azul e laranja. Deixamos-te lá, naquele lugar sombrio, entre tantos outros também vestidos de mármore, madeira e terno preto. Mas dentre todos, talvez só tu estivesse vestindo, bem no fundo da alma, a grande bandeira vermelha.

Enchestes a nós com teu exemplo, e, assim, ficamos felizes por ti.


Oduvaldo Batista: presente!
Viva o socialismo!


João Pessoa – PB, 23 de junho de 2008

Rafael Freire,
jornalista e comunista

5.6.08

Enchentes no Nordeste: tragédia da natureza ou descaso dos governos?

Neste início de ano, mais uma tragédia se abateu sobre o povo pobre do Nordeste: o aumento significativo do número de chuvas provocou enchentes que arrasaram cidades inteiras, mataram cerca de 40 pessoas e deixaram quase 600 mil desabrigados ou desalojados, com fome, frio e doentes. Os estados mais afetados foram Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

Existem culpados por isso? Terá sido essa uma tragédia da natureza ou uma tragédia humana?

O ser humano não descobriu ainda uma forma de evitar que tanta água caia do céu de uma só vez, fazendo com que as chuvas viessem sempre em períodos pré-determinados e de forma bem distribuídas ao longo do ano. E dificilmente o conseguirá. Mas o ser humano já descobriu, e é de domínio dos governos a tecnologia e o conhecimento capazes de prever quase com precisão quando haverá ou não chuvas, secas, nevadas e outros tantos fenômenos meteorológicos. É tanto que o governo federal, os governos estaduais e as maiores prefeituras do país possuem programas para prevenção de tragédias, Defesa Civil e outros órgãos que deveriam garantir que os fenômenos naturais não se transformassem em desastres.

Descaso do governo federal

Segundo o instituto Contas Abertas, que busca dar publicidade à aplicação dos orçamentos por parte das administrações públicas, o governo federal gastou, nos três primeiros meses do ano, R$ 14,9 milhões com o programa de prevenção de desastres, enquanto que com a “resposta aos desastres” gastou mais do que o dobro: R$ 38 milhões. Ou seja. Preferiu remediar a prevenir!

E mais. Nesses três meses, nenhum centavo foi reservado para a ação de apoio a obras preventivas de desastres, que é parte do programa de prevenção.

Em 2007, a diferença de gastos entre os dois programas foi ainda maior. O Ministério da Integração Nacional desembolsou R$ 53,5 milhões dos recursos destinados ao programa de prevenção e preparação para emergências e desastres, que inclui obras de contenção de encostas e canalização de córregos. O valor representa apenas 20% da verba prevista em orçamento para o programa. Entretanto, no mesmo período, o órgão destinou um montante seis vezes maior (R$ 347,9 milhões) para o programa de “resposta aos desastres”, que atua após as calamidades já terem acontecido e vidas terem sido perdidas para nunca mais voltar. A quantia equivale a 63% do que estava autorizado em orçamento.

Por fim, dos nove estados que compõem a região Nordeste, seis receberam, em 2007, a quantia de R$ 15,6 milhões através do programa de prevenção. Entre estes, não estavam o Piauí e a Paraíba, justamente os dois estados mais atingidos pelas enchentes, que nada receberam no ano passado por meio do programa.

Paraíba: muitas mortes e destruição

Muitos números foram divulgados pela grande mídia, e a cada dia víamos aumentar as conseqüências das enchentes. A Paraíba foi o estado mais afetado. Até o dia 26 de abril, foram registradas 26 mortes, 124 municípios atingidos, quase 20 mil desabrigados e desalojados, 407 açudes que se romperam, dez pontes destruídas, seis estradas estaduais interditadas e outras 30 em situação precária.

Uma das regiões mais castigadas foi a de Sousa, no Alto Sertão paraibano, onde pelo menos oito municípios vizinhos ficaram mais de uma semana completamente isolados, sem nenhum tipo de acesso. Não era possível entrar nem sair das cidades, onde várias pessoas ficaram doentes e sequer havia energia elétrica e abastecimento de água potável.

Além de não ter recebido nenhum repasse para prevenções de desastres por parte do governo federal, a Paraíba sofreu ainda mais por conta do completo abandono em que se encontra a administração pública estadual. O governador Cássio Cunha Lima (PSDB) teve o mandato cassado duas vezes pelo Tribunal Regional Eleitoral por ter sido comprovada a compra de votos com recursos de um programa assistencial e o uso do jornal estatal A União para propaganda indevida, a fim de garantir sua reeleição em 2006. Cássio ainda se mantém no cargo por meio de liminares conseguidas no Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, e ainda enfrenta um outro processo de cassação por desvio de recursos públicos, por meio de licitações fraudulentas, para financiar sua campanha.

Nordestinos ainda sofrem as conseqüências

Mal as chuvas amenizaram, e a população começou a sofrer com outros problemas, decorrentes das enchentes. Os casos de dengue no Nordeste aumentaram numa média de 50% em toda a região, em relação ao mesmo período do ano passado, e alguns institutos nacionais já falam na possibilidade de uma epidemia nas proporções da que se processa no Rio de Janeiro. Outras doenças como leptospirose, cólera, bronquite e conjuntivite também se espalham e já fizeram até vítimas fatais.

E o pior: como estas 600 mil pessoas atingidas irão viver agora? Suas casas foram completamente destruídas ou danificadas. Alimentos, roupas, móveis e eletrodomésticos levados pelas águas. A infra-estrutura, que já era pouca, foi aniquilada. Vidas foram ceifadas, empregos perdidos, esperanças arrancadas. Só sobrou lama e desespero.

Os compromissos dos governos burgueses e os compromissos do povo trabalhador

A atitude dos governos diante deste problema só mostrou mais uma vez que seus compromissos não são com os pobres, mas sim com a classe da burguesia, com os grandes capitalistas nacionais e internacionais. Enquanto o governo federal, comandado pelo presidente Lula e o PT, destina todos os anos R$ 160 bilhões para pagar os juros da chamada dívida pública interna, deixou de aplicar recursos já previstos em seu orçamento que serviriam para preservar a vida de brasileiros e o patrimônio do povo.

Toda essa chuva, inclusive, serviu para evidenciar mais uma mentira do governo federal: a transposição do Rio São Francisco. Boa arte das chuvas se concentraram no Semi-Árido nordestino, mostrando que o problema dessa região não é a falta de chuvas, mas o não-aproveitamento da água que cai e a concentração nas mãos de poucos da água que é represada. Se houvessem investimentos para a construção de mais barragens, açudes, poços e cisternas a água das chuvas, que hoje causa destruição, seria garantia de abastecimento permanente para o povo nordestino, amenizando os longos períodos de estiagem. A transposição do Rio São Francisco não seria necessária, e, ao invés de beneficiar os latifundiários e as mega-empresas do agro-negócio, sairiam ganhado a natureza e o povo pobre do Sertão.

Só a força do povo trabalhador pode manter acesa a chama da vida diante de tanta tragédia. Tragédia humana, descompromisso dos governos burgueses com o povo. Só a capacidade de construir, de reconstruir, de produzir, de modificar da classe operária pode pôr de pé novamente tudo o quanto de material foi destruído. Nada pode derrotar essa força invencível, que só pertence a quem trabalha. Nada pode derrotar o compromisso do povo trabalhador com a vida e com luta por um mundo novo, sem tragédias e injustiças.

Rafael Freire

25.1.08

A Vida é um Sopro – 100 anos de Oscar Niemeyer

Para nós, brasileiros, falar de Arquitetura é quase o mesmo que falar de Oscar Niemeyer. Este arquiteto, que em 15 de dezembro de 2007 completou 100 anos de vida, não é somente um dos maiores ícones mundiais da Arquitetura Moderna. É, sobretudo, um exemplo de trabalho e dedicação.

Sua Arquitetura é admirada em todo o mundo. Seus edifícios mais famosos – o conjunto da Pampulha (MG), a Casa das Canoas (RJ), o Palácio da Alvorada e a Catedral de Brasília, entre outros – são um deslumbramento aos olhos; transformaram-se em símbolos. É a integração da curva, da leveza arquitetural e da sedução visual; inseparáveis em cada uma de suas obras. E ele, o arquiteto apaixonado pelas infinitas possibilidades do concreto armado.

O documentário A Vida é um Sopro, com direção e roteiro de Fabiano Maciel, lançado em meados de 2007, foi feito em homenagem ao centenário desse homem que, com o gesto do desenho, conseguiu transformar a história da Arquitetura Moderna Brasileira e fincá-la no rol das obras dos grandes mestres da Arquitetura do século XX (recebeu, inclusive, o título de “Arquiteto do Século XX” pelo Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil, em 2001).

Será possível contar a história de um povo através de sua Arquitetura? O questionamento que aparece no sítio oficial do documentário pode ser respondido de maneira bastante simples: Oscar Niemeyer – assim como os gregos e romanos antigos –, por meio de seus edifícios-símbolo, conseguiu mostrar a todo um povo que a Arquitetura é, de fato, a marca mais importante do homem por onde ele passa. Porque a Arquitetura permanece.

O filme foi dividido em quatro partes. A primeira mostra sua história pessoal e a descoberta da Arquitetura. A segunda, a “cruzada” que foi a construção de Brasília, no final da década de 1950. A terceira e a quarta partes foram reservadas ao Oscar pensador, filósofo e comunista. É nesse momento que ele expõe o que passou no exílio durante a ditadura militar, explica seus monumentos de protesto e seus pensamentos acerca da sociedade. Tudo isso acompanhado de, obviamente, inúmeros edifícios, esculturas, casas, croquis, enfim, de seus mais representativos projetos e muitos desenhos. Também estão presentes depoimentos de críticos e amigos, entre eles José Saramago (escritor português), Chico Buarque (compositor), Ferreira Gullar (poeta e crítico de arte), Eduardo Galeano (escritor uruguaio). Este último disse:

“É sabido que Oscar Niemeyer odeia o capitalismo e odeia o ângulo reto. Contra o ângulo reto, que ofende o espaço, ele tem feito uma arquitetura leve como as nuvens, livre, sensual, que é muito parecida com a paisagem das montanhas do Rio de Janeiro. São montanhas que parecem corpos de mulheres deitadas, desenhadas por Deus no dia em que Deus achou que era Niemeyer.”

Uma bela viagem visual por suas mais significativas obras – esse é um dos principais motes do filme, que além de nos fazer conhecê-las, faz-nos também compreender o processo de concepção de cada uma delas. E assim Niemeyer fala de Brasília, da singularidade arquitetural de sua catedral e da concepção estrutural dos palácios, em especial o Alvorada. Mostra a idéia do Museu de Arte Contemporânea de Niterói-RJ (carinhosamente apelidado de “Disco Voador”); a concepção arquitetônica clara e simples da sede do Partido Comunista Francês e seu auditório semi-enterrado; a Universidade da Argélia; a sede da ONU em Nova Iorque.

Todos os projetos apresentados no documentário são explicados e redesenhados pelo próprio Niemeyer enquanto é entrevistado, mostrando como desenvolve seu processo projetual e como chega às soluções arquitetônicas: algumas de uma simplicidade impensável, outras mais caprichosas. Todas, porém, belas na busca da forma pela forma.

Outro aspecto importante em A Vida é um Sopro é fazer notar que, junto ao mestre, estão muitos outros ícones: o trabalhador, o operário, o pensador, o intelectual, o revolucionário. É comovente e incomum encontrar um homem que, aos 100 anos, trabalhe tanto quanto na época em que tinha 30. Naquele momento, participava da construção do Movimento Moderno ao lado de outros grandes intelectuais e artistas e, posteriormente, trabalhou inexoravelmente a construção de Brasília. Hoje, diariamente, o velho Oscar passa o dia inteiro em seu escritório, projetando. Até parece que toda a sua lucidez vem daí, da consciência de que o trabalho é o motor que dignifica a existência dos homens.

É um prazer para mim, arquiteta, falar de Oscar Niemeyer. Mas ainda melhor do que falar de sua Arquitetura de belas e orgânicas formas é reconhecer nele a consciência da busca por um mundo melhor. Certa vez, ele disse: “O que me incomoda não são os desacertos da vida, mas a dor imensa dos mais pobres – diante do sorriso indiferente dos abonados”.
Feliz aniversário e muitos outros anos de vida, companheiro Oscar.
Pricylla Girão, arquiteta

Sítio Oficial: www.avidaeumsopro.com.br
Direção e Roteiro: Fabiano Maciel
Direção de Fotografia: Marco Oliveira e Jacques Cheuiche
Produção: Santa Clara Comunicação
Duração: 90 minutos
Lançamento: 2007