22.10.07

A tropa de choque da elite


O mais novo sucesso de público do cinema nacional, “Tropa de Elite”, do diretor José Padilha (o mesmo de “Ônibus 174”), foi lançado em todo o Brasil no dia 12 de setembro, mas, mesmo antes disso, já era fartamente visto devido às cópias piratas vendidas aos milhões nos centros de comércio informal.

Muita polêmica em torno do filme foi levantada: pirataria, corrupção na Polícia Militar, tráfico de drogas, violência, etc.. No entanto, a forma como toda a grande imprensa repercutiu esses temas não passou, como sempre, da superficialidade e da reafirmação dos pontos de vistas burgueses. E mais. Muita gente tem comprado gato por lebre, acreditando que o filme possui um caráter “progressista”.

A crítica que o filme faz à classe média, ao mesmo tempo fiel consumidora de drogas e indignada com a violência, ao ponto de sair às ruas pedindo paz, é contundente, porém esconde o real problema que envolve o tráfico de drogas. Os consumidores da classe média são colocados como os principais responsáveis pela sustentação do tráfico. Não é citada, nem de relance, o quão lucrativo é o tráfico de drogas em todo o mundo, constituindo-se hoje no maior segmento do comércio internacional. Ou seja. Os consumidores não passam de mais uma das peças neste tabuleiro. Quem joga a partida são, na verdade, mega-investidores, todos ligados a grandes empresas, bancos e políticos burgueses.

Denúncia da corrupção na polícia?! É muito fácil falar mal daquilo que já é desmoralizado por consenso. Não há quem não saiba hoje que a polícia age tão “fora da lei” quanto os “bandidos”, e que é a principal parceira do crime organizado, incluindo aí o tráfico de drogas.

Difícil mesmo é engolir a apologia à violência policial que o filme nos apresenta a cada cena. O Bope (Batalhão de Operações Especiais) é a encarnação carioca dos dizeres de Friedrich Engels: “o Estado é um destacamento de homens armados”.

Destacamento de homens muito bem armados e treinados para reprimir e matar. E, ao contrário do que o filme tenta mostrar, o Bope não atua só sobre os “bandidos”, mas sim sobre toda a gente pobre. Atua contra o favelado, como muito bem exemplifica uma das palavras-de-ordem da corporação não utilizada no filme, mas muito bem conhecida de quem mora nas favelas do Rio de Janeiro: “O interrogatório é muito fácil de fazer/ Pega o favelado e dá porrada até doer/ O interrogatório é muito fácil de acabar/ Pega o bandido e dá porrada até matar”.

Outro dado “esquecido” é que o próprio livro que deu origem ao filme (“A Elite da Tropa, escrito por Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Bope e co-roteirista do longa) fala de um comandante do Bope que tentou ficar com parte do dinheiro recuperado do assalto a um banco. Isso vai de encontro ao mito que se tenta construir, de que existe a polícia corrupta (a PM), e a polícia incorruptível (o Bope).

Os três principais personagens do filme, o capitão Nascimento (Wagner Moura), e os recrutas Neto (Caio Junqueira) e André Matias (André Ramiro) são mostrados como pessoas de bem, humanas, com seus conflitos pessoas, comuns aos de qualquer outra pessoa, no intento de contrapor à imagem implacável de suas ações.

Nascimento, preocupado com o filho prestes a nascer e com a vida afetiva com sua esposa, busca incessantemente alguém para substituí-lo. É aí que entram os dois jovens policiais, dedicados e honestos, o valente Neto e inteligente Matias, amigos de infância e dispostos a ingressar no Bope por perceberem a corrupção entranhada nos batalhões da PM.

As cenas de tortura são fortes e constantes em “Tropa de Elite”, e, de modo geral, conduzem o espectador a considerá-las uma medida dura, porém necessária, para obter informações que viabilizem a captura dos traficantes. Chega a ser impressionante assistir ao filme no cinema e ver que a sala quase toda solta risos de uma felicidade doentia, misturada a um sentimento de que a justiça está sendo feita.

No entanto, a mesma tortura reverenciada em “Tropa de Elite”, aparentemente direcionada aos “bandidos”, mas que recai sempre também sobre os moradores das favelas, é a mesma tortura utilizada pelas forças de repressão do Estado quando da Ditadura Militar.

Quantos não foram os interrogatórios clandestinos? Quantas pessoas impelidas psicologicamente, feridas, dilaceradas, friamente assassinadas? Só de mortos nestas condições foram quase 400 em todo o país durante duas décadas de domínio do fascismo e da idolatria da repressão sobre os “bandidos” de então, os militantes políticos que lutavam por democracia e pelo socialismo.

Para todos aqueles que ainda sonham e lutam por estes objetivos, fica a certeza de que este aparelho repressivo é a reserva de força para conter os levantes populares. O Bope, assim como o conjunto das polícias e das Forças Armadas, compõe o aparelho estatal sempre a postos para garantir a “normalidade” do sistema, a salva-guarda da propriedade privada e dos privilégios da burguesia. Compõem, todos eles, a tropa de choque da elite.

Rafael Freire