2.4.07

Avaliação do PAC




No início do seu segundo mandato, o presidente Lula anunciou o seu Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e agora tem movimentado sua base no Congresso para que ele seja aprovado. O plano promete “aumentar o emprego e melhorar as condições de vida da população brasileira”. Entretanto, como infelizmente sabemos, não é o governo Lula o mais indicado para falar em cumprimento de promessas.

A estratégia declarada do PAC é criar, através de investimentos públicos diretos, de incentivos fiscais e de reformas na legislação (em especial na legislação ambiental) um ambiente favorável para o investimento privado que, ainda segundo o governo, seria a chave para o crescimento econômico do país. Dessas medidas, a que mais chama a atenção e que com maior destaque aparece estampada nos jornais é a disposição do governo em gastar mais de R$ 500 bilhões de reais em 3 anos (2007 – 2010).

Entretanto, o que mais deveria nos impressionar é que grande parte desse total virá das empresas estatais. Isso nos leva a duas reflexões. A primeira é a importância decisiva das estatais para a economia brasileira. Essas mesmas estatais, operadas pelos tão injustamente difamados funcionários públicos, são agora chamadas a patrocinar quase que sozinhas as obras de infra-estrutura para que as “eficientes” empresas privadas possam prosperar. A outra questão é que essa estratégia de mobilizar as estatais não é modo algum uma novidade na política econômica brasileira. Na verdade, as estatais, desde a década de 70 e em diferentes governos, têm sido obrigadas a fornecer preços subsidiados a empresas privadas com o mesmo declarado objetivo de incentivar os investimentos. Essa política de favorecimento das empresas privadas levou muitas estatais a operarem com prejuízo. Anos depois esse prejuízo foi o principal argumento para a privatização dessas empresas. O fato desse prejuízo ter sido compulsório foi convenientemente “esquecido” pelos defensores da privatização. Espero que dessa vez Lula ou seus sucessores lembrem que esses bilhões farão falta às estatais, principalmente em seus setores de Pesquisa, Ciência e Tecnologia, e terão conseqüências no futuro.

O governo, além de “colocar a faca no pescoço” das estatais para que elas banquem o investimento privado, pretende também praticamente dobrar a renúncia fiscal, aumentando-a de R$ 6,6 bilhões para R$ 11,5 bilhões em apenas um ano (2007-2008). Como se não bastasse, há uma série de outras medidas no mínimo suspeitas como por exemplo a reforma na legislação ambiental, utilização do FGTS na composição de fundos de financiamento, “racionalização do desenho institucional” do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, reforma na lei de licitações e até uma nova reforma na previdência.

Essas medidas terão o resultado anunciado? Provavelmente não. Em primeiro lugar é preciso ter em conta que a chamada “responsabilidade social” dos empresários é uma fantasia que só existe na cabeça das pessoas que temem encarar a realidade como ela realmente é. Os empresários (entendo por empresários os grandes capitalistas) estão interessados no lucro, suas decisões são baseadas em suas expectativas de conseguir o lucro máximo. Isso é tão evidente que na verdade é espantoso alguém afiançar alguma esperança sincera na “responsabilidade social” dos empresários. Sendo assim, mesmo com todo o “ambiente favorável”, mesmo com as estatais fazendo um esforço gigantesco de financiamento, mesmo com os incentivos fiscais, etc. o empresário vai continuar investindo “seu” dinheiro onde obtiver mais lucro. E enquanto o Brasil continuar sendo o país com a maior taxa de juros do mundo, o mais lucrativo continuará sendo a aplicação na órbita financeira (especialmente nos títulos da dívida pública, mais seguros e mais lucrativos) e não o investimento produtivo.

O mais grave, entretanto, ainda não foi dito. “Para não dizer que não falei das flores”, vamos supor que os empresários deixem sua ganância de lado, saiam do mercado financeiro e realmente invistam em atividades produtivas. Mesmo considerando essa hipótese heróica, ainda assim, o PAC não trará a “melhoria nas condições de vida da população”. E aqui temos desmentir uma das maiores falácias da maioria dos comentaristas econômicos dos meios de comunicação: o crescimento econômico NÃO resolve necessariamente o problema do desemprego.

Por quê? Porque na maioria das vezes esse investimento é intensivo em capital e não em trabalho. Ou seja, os empresários para aumentarem sua produção (crescimento econômico) o fazem comprando máquinas novas, utilizando novas tecnologias que utilizam cada vez menos força de trabalho. É portanto perfeitamente possível que o crescimento econômico não seja acompanhado por um aumento significativo da demanda por trabalho. O empresário pode, e na maioria das vezes o faz, comprar uma máquina nova (quem sabe com recursos do BNDES), aumentar sua produção e ainda demitir funcionários. Essa situação fica ainda mais agravada quando se tem em mente a crescente abertura comercial brasileira e a conseqüente concorrência com os produtos importados. Não é a toa que as fases de crescimento econômico do Brasil, inclusive o “milagre brasileiro”, foram em geral acompanhadas de um aumento das desigualdades sociais.

Isso não se trata de maneira alguma de uma novidade. O governo sabe disso perfeitamente. Tanto é que no Plano Plurianual feito no início do primeiro mandato (2004) o governo colocava como centro do crescimento o fortalecimento do mercado interno que obriga de algum modo a uma maior distribuição de renda.

Em resumo, enquanto a desigualdade social brasileira não for colocada como problema central, os diferentes planos econômicos continuaram reféns da “responsabilidade social” do capitalismo que como sabemos é, na realidade, negativa. É preciso, portanto, um maior controle social sobre a economia. Rever as privatizações fraudulentas, diminuir o enorme poder do capital especulativo internacional, realizar as reformas agrária e urbana, enfim, fazer com que a economia trabalhe para o benefício dos trabalhadores e não para o enriquecimento de meia dúzia de especuladores.


Humberto Lima